Defensores pedem a deputados que discutam legalização da cannabis sem preconceitos

Médicos e deputados defendem que existe evidência científica suficiente para que cannabis possa ser disponibilizada aos doentes. BE organizou ontem uma audição pública e espera ver o tema debatido no próximo ano no Parlamento.

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Deputado do BE Moisés Ferreira espera que Parlamento debata uma proposta para legalização da cannabis para fins medicinais no próximo ano TIAGO PETINGA

A Assembleia da República recebeu ontem a primeira audição pública sobre a legalização da cannabis para fins medicinais. A iniciativa foi organizada pelo BE, que está a preparar um Projecto de Lei para que a planta e os seus derivados possam ser vendidos em farmácias, sejam comparticipados e os doentes possam fazer auto cultivo, tal como o PÚBLICO avançou na edição de sábado.

Entre os convidados estiveram dois médicos, unânimes na sua posição: não há motivos, perante a evidência científica, para que não possam prescrever cannabis aos doentes que precisam. A deputada socialista, Maria Antónia Almeida Santos, pediu ao Parlamento para ter “maturidade suficiente” para ouvir e decidir sobre o tema.

“Existe evidência científica mais do que suficiente para esta decisão e para que seja possível em 2018 termos uma discussão no Parlamento sobre o assunto e fazer com que Portugal aprove o uso medicinal da cannabis como noutros países”, disse o deputado do BE Moisés Ferreira, lembrando que PCP, JSD e PS mostraram anteriormente disponibilidade para discutir o tema.

Presente como convidada, a deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos explicou estar ali a título individual, mas disse acreditar que o PS está pronto para debater o tema e dar o seu contributo. “Ainda não fizemos esta discussão no grupo parlamentar. Todo o percurso dentro do PS me leva a fazer crer que podemos acompanhar esta iniciativa do BE. Acho que chegou o momento para darmos mais este passo. Esperemos contar com o apoio de outros grupos parlamentares. Temos a vantagem de conhecer a experiência de outros países”, apontou.

A mesma disse ser favorável à medida, que na sua opinião “já devia ter acontecido”, e que é preciso não diabolizar a cannabis e falar abertamente sobre os efeitos secundários que pode ter sobre algumas pessoas. “Peço à Assembleia da República que tenha maturidade para suficiente para ouvir e poder decidir. Não tomaremos nenhuma decisão sem falar com cientistas e médicos e já existe evidência científica. Espero que exista essa coragem principalmente para dar bem-estar aos doentes”, disse.

Benefícios para crianças com doenças graves

Bruno Maia, médico neurologista e outro dos oradores, considera que ainda existem muitos mitos e preconceitos, mesmo entre os médicos, que têm de ser combatidos. “A cannabis tem efeitos secundários como qualquer outra substância que está à venda nas farmácias. Não há razão, a não ser preconceito em relação à cannabis, para esta não estar disponível. Temos medicamentos como o Fetanil, que é 100 vezes mais potente que a heroína, que é legal e usamos nos doentes quando é o melhor a aplicar”, disse, acrescentando que a cannabis deve ser usada no tratamento de crianças com doenças graves, como cancro.  

O médico deixou ainda um recado aos legisladores, apontando a “passividade das pessoas que têm capacidade de mudar as coisas” e que não o fazem “porque é confortável não encetar um debate contra mitos e preconceitos”. “O que peço é coragem para acabar com essa passividade”, pediu.

Para Javier Pedraza, médico espanhol que investiga aplicações terapêuticas da cannabis, a não legalização abre a porta ao mercado negro de doentes que poderiam beneficiar desta substância e que assim se colocam risco. Lembrando que esta não é inócua, afirma que “não há substância no mundo mais segura que a cannabis no mundo”. “Não há nenhum caso documentado de morte por sobredosagem de cannabis”, salientou.

Também o médico espanhol destacou os benefícios que pode trazer no tratamento de crianças com doenças graves. “Se temos uma criança com 80 convulsões por dia e uma pequena dose de cannabis as reduz para oito, não é assim tão importante o efeito que o THC [substância psicoactiva] pode ter porque uma só convulsão diária faz muitos danos. Se a criança se liga de volta ao mundo, começa a dizer pai e mãe, não dar a oportunidade a estes pais de administrar cannabis é um crime, é um atentado à saúde pública”, defendeu.  

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