Maduro aperta o cerco à oposição e garante corrida a solo nas presidenciais

Presidente venezuelano diz que os partidos políticos que boicotaram as eleições autárquicas de domingo serão impedidos de inscrever candidatos nas próximas votações.

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Como já acontecera na ronda de 15 de Outubro, o PSUV de Maduro venceu mais de 90% das corridas LUSA/MIGUEL GUTIERREZ

O Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, parece ter encontrado uma maneira de consolidar o seu poder e correr sem oposição por um novo mandato de cinco anos, nas eleições do próximo ano. Num discurso de celebração da vitória esmagadora do seu partido na votação para a recomposição dos órgãos autárquicos do país, Maduro informou os venezuelanos que tencionava “eliminar” das próximas eleições todas as formações políticas que se recusaram a ir às urnas, em protesto pela falta de transparência do sistema eleitoral.

“Partido que não tenha participado hoje [domingo], e tenha apelado ao boicote das eleições, não participará nunca mais em nenhuma votação”, ameaçou o Presidente, prometendo que essa decisão seria tomada pela Assembleia Constituinte que foi instalada em Agosto e é composta exclusivamente por membros do regime – e que não é reconhecida nem pela oposição venezuelana, nem por grande parte da comunidade internacional.

“Se Maduro concretizar a sua ameaça, a Venezuela será efectivamente uma ditadura, apesar da convocação de ‘eleições’”, resumia o editor para a América Latina do The Wall Street Journal, David Luhnow, avaliando o possível impacto da decisão do Presidente.

Depois de uma primeira ronda de votações regionais, a 15 de Outubro, que ao contrário do que previam as sondagens se saldou por uma vitória avassaladora do “oficialismo”, os três maiores partidos da coligação de oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD) decidiram boicotar a segunda ronda – a votação para os cargos autárquicos. Argumentam que havia “falta de garantias” de um processo democrático justo e transparente.

Assim que foram divulgados os primeiros resultados preliminares, a MUD denunciou, em comunicado, uma série de irregularidades e manobras que classificou como “duvidosas”, como a mudança, à última hora, de mais de 200 mesas de voto, que foram transferidas de zonas associadas com o voto na oposição por “motivos de segurança”. “Umas eleições credíveis caracterizam-se pela inclusão, a transparência e a igualdade de condições. Nenhum desses atributos esteve presente. As irregularidades e a escassa participação marcaram a jornada eleitoral de 10 de Dezembro. Mais uma vez assistimos à utilização de todo o aparato do Estado num exercício de abuso de poder”, sublinhou a MUD.

"Prontos para competir"

Com uma taxa de abstenção de 53%, a votação foi a menos participada de sempre. Segundo a primeira contagem (os resultados definitivos só deveriam anunciados esta segunda-feira à noite), os candidatos do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) venceram 90% das corridas, elegendo 300 dos 335 presidentes de câmara do país.

“A oposição desapareceu do nosso espaço político”, congratulou-se Nicolás Maduro. “Nós estamos prontos para competir: 2018 pertencerá aos chavistas”, garantiu o Presidente, que busca a reeleição em 2018, indiferente à taxa de desaprovação do seu desempenho de 80%.

O regime recusara, até agora, fixar a data das presidenciais, que de acordo com o calendário eleitoral deveriam acontecer entre Outubro e Dezembro. Mas depois deste último anúncio de Nicolás Maduro, os observadores acreditam que o Conselho Eleitoral deverá anunciar rapidamente uma data menos longínqua, para impedir a oposição de ter tempo para se reorganizar.

A coligação opositora, formada por dezenas de formações que abrangem os dois extremos do espectro político, atravessa um momento de crise, que se acentuou nos últimos meses em função das diferenças programáticas e dos choques de personalidade entre os seus principais porta-vozes e protagonistas políticos.

“A oposição nunca tinha saído tão mal de uma eleição na era chavista. Não conseguiram impor a sua narrativa de um processo ilegítimo, e abandonaram a política municipal, que é fundamental”, comentou à Reuters o mais reconhecido especialista em sondagens venezuelano, Luís Vicente Léon.

Os analistas coincidem na sua interpretação dos resultados de domingo, que mostram como o regime está a saber aproveitar as fracturas, descoordenação e falta de estratégia comum da MUD – bem como o desencanto da opinião pública, que não viu mudanças após meses de protestos violentos – para ir reduzindo o espaço para a intervenção dos críticos, endurecer o seu controlo sobre a sociedade e assegurar um poder quase absoluto. Depois de perder o controlo total do poder executivo regional e do poder legislativo, o Governo de Maduro usou expedientes eleitorais para se impor à oposição.

Antes da última ameaça de impedir as candidaturas de partidos que boicotem votações, o regime já tinha garantido que alguns dos mais populares líderes da oposição ficavam afastados das presidenciais de 2008. O ex-governador de Miranda, Henrique Capriles, que concorreu contra Maduro em 2013, foi inabilitado pelas autoridades eleitorais. E Leopoldo López, o carismático líder que emergiu dos protestos de rua de 2014, foi condenado a uma pena de prisão de 13 anos.

Os dois representam os partidos Primeiro Justiça e Vontade Popular, que juntamente com a Acção Democrática, do presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, assumiram o boicote à votação deste domingo (outros partidos da coligação inscreveram candidatos, alguns dos quais acabaram por se retirar por pressão do regime).

Não foi a primeira vez que a oposição venezuelana recorreu ao boicote para chamar a atenção para as falhas da democracia do país: nas legislativas de 2005, os partidos críticos do chavismo ficaram de fora dos boletins de voto, garantindo ao então Presidente Hugo Chávez que a Assembleia Nacional era integralmente dominada pelo seu partido.

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