Fusão entre Disney e Fox no horizonte – uma luta contra Silicon Valley e pela sobrevivência

A concretizar-se, o iminente negócio entre as duas rivais dará origem à maior empresa de entretenimento da era moderna.

Fotogaleria
LUCAS JACKSON/Reuters
Fotogaleria
Rupert Murdoch DAVID GRAY/Reuters
Fotogaleria
Bob Iger e Daisy Ridley, estrela de Star Wars,Bob Iger e Daisy Ridley, estrela de Star Wars DANNY MOLOSHOK/Reuters,DANNY MOLOSHOK/Reuters
Fotogaleria
James Murdoch Neil Hall/Reuters
Fotogaleria
Aly Song/Reuters

Na reunião anual da 21st Century Fox do mês passado, um accionista colocou a Lachlan Murdoch a pergunta em que muitos estavam a pensar: “Como é que nos mantemos a par da Amazon, do Facebook, da Google e mesmo do Netflix?”

O co-presidente executivo da Fox evitou uma resposta directa. Mas a sua empresa tem uma ideia muito específica sobre como lidar com o desafio colocado pelos monstros de Silicon Valley que irromperam no negócio do entretenimento – reforçar tudo o que não seja scripted entertainment [ficção narrativa, incluindo alguma reality TV com guião].

É uma ideia muito diferente da da sua rival Disney. E uma ideia que transforma um potencial negócio entre as duas empresas num desenvolvimento lógico – e num estudo sobre contrastes. Numa altura em que a Fox parece estar a preparar um negócio épico que transferiria muitos dos seus activos-chave para a Disney, as duas empresas perseguem objectivos similares: sobreviver e emergir com mais força no final do actual momento de mudança radical. Mas os meios para atingir esses fins não poderiam estar mais distantes.

A Disney, sob o comando do presidente Robert Iger, amado por Wall Street, quer defender-se dos desafios colocados pelos potentados dos serviços directos ao consumidor como o Netflix e a Amazon usando a arma da escala. Conglomerar a maior quantidade de conteúdos de entretenimento possível, diz a sua filosofia, e depois partir daí para povoar um serviço de streaming online.

Já Rupert Murdoch, alma da Fox, quer contornar muitos desses desafios construindo o negócio a partir dos média tradicionais (os chamados incumbentes), baseando a oferta em informação, desporto, reality-shows e não-ficção.

“Pode uma 21st Century Fox mais magra satisfazer os interesses de Rupert Murdoch e permitir uma empresa gerida de forma mais pronta?”, pergunta-se Brian Wieser, analista na consultora Pivotal. “Essa é uma das questões”, disse, acrescentando que é “só uma delas”. Porém, Murdoch não se ficaria necessariamente por aí. Ao garantir potencialmente uma enorme quantidade de acções da Disney, um lugar no conselho de administração e uma posição elevada para o seu filho James Murdoch, que provavelmente deixaria o império da família para assumir um cargo na dependência de Iger, o negócio também permitiria a Murdoch pôr a sua bandeira na Disney.

O acordo, que os analistas consideram poder ser fechado nos próximos dias, é resultado de um namoro de meses da Fox com a Disney e de um flirt ocasional com a Comcast Universal, o segundo maior conglomerado de média do mundo, e a operadora de telecomunicações Verizon. Nem a Fox nem a Disney prestaram declarações para este artigo.

Embora os pormenores sejam do conhecimento de um pequeno grupo de decisores, crê-se que a fusão será sobretudo uma transacção de acções avaliada em 40 mil milhões de dólares. Se ultrapassar os eventuais obstáculos dos reguladores, deixará Murdoch com uma estação em sinal aberto (Fox), dois canais de notícias por subscrição (Fox News e Fox Business) e um par de canais de desporto (FS1 e FS2), que poderia depois combinar com os recursos da News Corp (imprensa), liderada pelo filho Lachlan.

A Disney? Ostentaria o título de maior empresa de entretenimento da história moderna, empresa essa que além de parques temáticos, da Marvel Studios e da produtora Lucasfilm teria agora o estúdio de televisão de topo que sempre quis e uma operação ainda maior do que aquela que gere neste momento.

Um estúdio de cinema Disney com a Fox no seu redil teria nas mãos quase 40% das receitas brutas de bilheteira em 2016 – um cenário que está bem distante do de há alguns anos, quando o dinheiro era dividido de forma quase equitativa entre seis estúdios. “Esta é uma combinação negocial perfeita porque dá a cada lado o que quer”, diz Lloyd Greif, banqueiro de investimento e perito em fusões que não tem participações em qualquer uma das empresas. “Mas ainda é muito cedo para se poder dizer se resultará da forma que querem.”

Rivais, por enquanto

Durante muito tempo, a Fox foi praticamente uma verdadeira rival da Disney. Em 2014, um ano depois de ter separado a Fox e a News Corp. em duas empresas diferentes, tinha 31,9 mil milhões de receitas anuais operacionais, um patamar comparável ao da Disney, com 48,8 mil milhões de euros de receitas. Três anos depois, porém, as empresas tinham partido em direcções diferentes. A Fox viu as suas receitas encolherem para os 28,5 mil milhões. A Disney, alimentada por mega-franchises como Star Wars, cresceu para os 55 mil milhões.

Isto levou a repensar a forma de lidar com os novos desafios de Silicon Valley. A Fox tinha, basicamente, decidido nem tentar. Contudo, com uma capitalização bolsista de 160 mil milhões, a Disney acredita que ter mais activos pode ajudar a deixar para trás players que entraram no mercado do entretenimento como a Apple e a Amazon, cada uma com um valor em bolsa de mais de 500 mil milhões.

Essa escala permitiria à Fox ter mais poder sobre os distribuidores, incluindo os operadores de televisão por subscrição e os exibidores de cinema, bem como preencher os seus próprios canais de distribuição antes de lançar o seu próprio serviço de streaming, em 2019.

Nem toda a gente acha que tal será uma boa ideia. Quando surgiram notícias sobre o negócio na semana passada, o preço das acções da Disney caiu 0,7%. Preocupa os investidores que a Disney esteja a tentar enfrentar concorrentes ágeis acrescentando ainda mais infra-estruturas pesadas. “É chocante, é um pensamento estratégico medíocre”, diz o analista Rich Greenfield, da consultora BTIG. “Em vez de investir directamente em conteúdo original e em construir o seu negócio de relação directa com o consumidor, está a amarrar-se ainda mais a um ecossistema de audiovisual tradicional [legacy, no original inglês, referindo-se aos players incumbentes vs. os novos serviços como Netflix ou Amazon, que não dependem de operadores]”.

Os filmes da Fox, por seu turno, estão muitas vezes enleados em acordos de longa duração com os canais por subscrição premium que os impedem de ser vendidos directamente aos consumidores.

Quase todos concordam que uma Disney gigante beneficiaria da permanência de Iger. A saída do gestor de 66 anos da Disney está agendada para 2019 – data que foi já um adiamento de um ano em relação ao inicialmente previsto –, possivelmente para concorrer a um cargo político. Mas uma integração das duas empresas depois de um longo período regulatório poderia significar que o gestor teria de ficar ate 2020, especialmente por não haver sucessores à vista.

A maior parte dos peritos afasta a ideia de que James Murdoch ascenda rapidamente à posição de presidente da Disney, como chegou a sugerir uma notícia do Financial Times na semana passada. Em vez disso, o gestor de 44 anos provavelmente irá gerir as operações internacionais da empresa e só depois concorrer ao cargo. “Acho que Rupert sabe que Iger é uma boa boleia”, diz George Geis, professor na Escola de Gestão Anderson da UCLA e especialista em fusões.

As motivações de Murdoch dividem os peritos. Embolsar milhares de milhões de dólares em acções para se afastar do negócio da ficção e do entretenimento parece de facto uma estratégia de saída. Mas uma participação de grandes dimensões na Disney, um potencial assento no conselho de administração e a oportunidade de ter um Murdoch a mandar em tudo podem ser vistas tanto como uma expansão de poder quanto como uma renúncia a esse mesmo poder.

Danos colaterais

Estas manobras podem representar o risco de danos colaterais para dezenas de milhares de pessoas que trabalham na Fox ou que trabalham nas suas operações alargadas. Um produtor que faz filmes com a Disney diz: “Como alguém que trabalha em negócios, percebo a escala, mas como alguém que trabalha no sector criativo, preocupo-me com o facto de ter menos um comprador para o meu material."

Um criador com um projecto em desenvolvimento na Fox disse ter uma preocupação ainda mais premente. “Estou sob muito stress neste momento”, diz sob anonimato, para proteger a sua situação profissional. Haverá projectos que serão inevitavelmente descartados por serem considerados redundantes ou não meritórios de recursos, e teme que o seu seja um deles.

Em maior risco estão as áreas em que as operações da Fox e da Disney se sobrepõem, como a animação e o entretenimento para toda a família. O destino dos escritórios da Fox em Manhattan ou no Westside de Los Angeles também pode estar em causa se uma empresa já agregada quiser cortar custos.

Mas as poupanças são apenas um elemento do negócio. Os analistas vêem nesta aquisição uma luta pelo futuro de dois gigantes corporativos e dos titãs que os tornaram no que são hoje. Iger quer construir uma máquina à prova de Silicon Valley e Murdoch quer assegurar um negócio de família que se mantenha forte bem depois de morrer, que evite os problemas que assolam o império Viacom de Sumner Redstone. “São dois iguais em contenda”, diz Greif. “É isso que torna esta partida de xadrez tão interessante.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Sugerir correcção
Comentar