É omnívoro, tem poucas espinhas e está a invadir o Guadiana

Há uma nova espécie exótica de peixe no rio Guadiana: é o peixe-gato-do-canal e é comestível. Veio de Espanha, já chegou a Mértola e pelo caminho foi apanhado por vários pescadores.

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Em 2011, o peixe-gato-do-canal foi detectado pela primeira vez em Portugal Filipe Banha

Estávamos em 2011 quando uma publicação no blogue local Alandroalandia (do Alandroal) dava conta que um pescador tinha apanhado um peixe desconhecido nas margens do rio Guadiana, na zona da Ponte da Ajuda (Elvas). Surgiu assim um debate entre os internautas, muitos deles pescadores, sobre esta espécie. Ainda houve quem pensasse que se tratava de um híbrido de espécies já existentes no Guadiana, como o peixe-gato-negro e o lúcio-perca. E até lhe deram o nome de “lúcio-gato”. “Aqui há gato há!”, escrevia alguém. Mais tarde, Filipe Banha, investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare), da Universidade de Évora, acabou por intervir e indicar que se tratava do peixe-gato-do-canal. Uma publicação posterior no blogue já o denominava como tal. Agora, o blogue é uma das referências de um artigo científico na revista Knowledge and Management of Aquatic Ecosystems, que confirma a presença de mais uma espécie invasora em Portugal. 

Não é a única referência. “O estudo baseia-se em capturas relatadas em fóruns de pesca e outros locais na Internet”, esclarece Filipe Banha, primeiro autor do artigo. Além disso, em 2012, o próprio investigador pescou um exemplar, em Juromenha (Alandroal), uns quilómetros mais a sul da Ponte da Ajuda. Também verificou que muitas outras pessoas o tinham capturado aí. “Numa tarde de Verão, pelo que me recordo, dois pescadores encheram um alguidar só com aquela espécie.”

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Peixe-gato-do-canal capturado na albufeira do Alqueva Filipe Banha

Os anos passaram e, só em 2016, a equipa de Filipe Banha contactou um pescador profissional no paredão da barragem do Alqueva. Este referiu que a alguns quilómetros de Juromenha tinha capturado peixes-gato. Ainda um outro pescador confirmou que tinha apanhado este peixe na zona de Mértola. “Pelo menos este troço está invadido com a espécie.”

O peixe-gato-do-canal é originário do Canadá, Estados Unidos e do México. E foi introduzido em, praticamente, todos os continentes devido à aquacultura. Também se pode chamar peixe-gato-americano, e tem o nome científico de Ictalurus punctatus, pois na fase juvenil tem vários pontinhos. É um omnívoro, predador e, se tiver mais de um metro, consegue capturar presas com alguma dimensão. “Olhando para a nossa fauna local, é uma espécie de grandes dimensões”, descreve Filipe Banha. “Supera um metro facilmente e o tamanho máximo registado é de cerca de um metro e 30 para 26 quilos.” Os cientistas confirmaram a sua identidade com testes genéticos.

Quando chegou à Península Ibérica? Terá sido introduzido em Espanha no início dos anos 80, mas não se sabe bem a causa. “Esta espécie terá chegado através de stocks da aquacultura”, coloca como hipótese Filipe Banha, acrescentando que o mesmo terá acontecido com o lagostim-vermelho nos anos 70. Há já várias ocorrências da dispersão deste peixe-gato na Estremadura espanhola e terá chegado a Portugal por expansão natural para jusante.

Esta espécie é então muito produzida em aquacultura e é uma iguaria em países como os EUA. A sua carne é branca e tem poucas espinhas. “Não consigo confirmar [se se consome em Portugal], mas nas grandes superfícies existem filetes de peixe-gato de outras espécies também produzidas em aquacultura”, diz o cientista. “Pescá-la é uma maneira de controlar a espécie no Guadiana, mas esta valorização é um pouco perigosa porque pode levar a que as pessoas a introduzam noutros locais.”

Afinal, este peixe é um invasor e pode trazer alguns perigos. “Tem uma capacidade reprodutiva muito alta. O macho até guarda os ovos e os juvenis durante um certo tempo para assegurar a melhor sobrevivência”, explica Filipe Banha. “Como é omnívoro pode competir pelos recursos alimentares das outras espécies e, quando atinge certas dimensões, pode alimentar-se de outros peixes, predar espécies nativas, caçar pequenos roedores e pequenas aves que possam nadar ou cair na água.” Pode assim prejudicar as espécies nativas por competição e predação.

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O investigador Filipe Banha com um peixe-gato-do-canal Filipe Banha

Esta é a terceira espécie de peixe-gato observada em Portugal: o siluro foi detectado em 2015 e o peixe-gato-negro em 2002, ambos no rio Tejo. “Com mais esta espécie confirmada, o número de espécies exóticas de peixes no rio Guadiana sobe para 11, igualando o número de espécies nativas [de peixes] presentes nesse rio”, frisa um comunicado sobre o estudo. “No Guadiana existem grandes ameaças”, alerta Filipe Banha, dizendo que podemos perder algumas espécies que só existem neste rio, como o saramugo, que está classificado como uma espécie “em perigo” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). “O ritmo de expansão e chegada de peixes exóticos a Portugal é preocupante, sendo, em média, de uma espécie nova a cada dois anos”, refere o comunicado, que salienta que a pesca desportiva é o motivo de muitas introduções. Mas este tipo de pesca também pode ser afectado, pois a chegada de novas espécies põe em perigo as tradicionais.

O próximo passo dos investigadores, no projecto científico Frisk, que quer determinar as rotas e os processos das espécies de peixes exóticas na Península Ibérica, será sensibilizar as pessoas para que se evite que esta espécie omnívora e com poucas espinhas se disperse mais e não “devore” a biodiversidade do Guadiana.

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