Era uma vez dois cães, três gatos e um coelho na casa dos horrores

PSP foi chamada a intervir várias vezes num apartamento de Lisboa, mas nunca o fez. Restos dos bichos foram encontrados no meio de lixo e excrementos.

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O cheiro que vinha daquele apartamento num terceiro andar em Lisboa não augurava nada de bom. Depois de alguma insistência, um dos vizinhos conseguiu que a PSP se deslocasse ao local. Havia um cão que ladrava incessantemente, queixava-se o jovem casal da porta ao lado. Duas vizinhas septuagenárias falavam de um miar aflitivo de um gato.

Os polícias ainda estavam a indagar o que se passava no prédio quando chegou o inquilino do terceiro andar. Alegou que tinha um cão pequeno, que ainda não se tinha acostumado ao facto de ele ter começado a trabalhar por turnos. Foi na Primavera passada e os agentes não se deram sequer ao trabalho de tentar entrar no apartamento, descreve quem os chamou ao local. Contentaram-se com a explicação e foram-se embora. Houve mais telefonemas, para a PSP mas também para o delegado de saúde, a quem a senhoria do apartamento fez chegar fotos tiradas à socapa no seu interior. Mostravam uma casa pejada de lixo e desencadearam uma vistoria que acabou por nunca ser realizada: as autoridades jamais conseguiram notificar o ocupante, que deixou de pagar a renda logo no terceiro mês.

Um ano e dois meses depois de ter desencadeado uma acção de despejo, a senhoria tomou finalmente posse da casa em que nenhum agente da autoridade se tinha até então arriscado a entrar. Quando lá entrou acompanhada de uma agente de execução deparou-se com um cenário difícil de esquecer. No meio das divisões pejadas de lixo – uma das assoalhadas estava atapetada com fezes dos bichos – encontraram o que restava dos animais que ali tinham morado: dois cães (ou talvez três, não se percebia muito bem), três gatos e um coelho. “Alguns estavam desmembrados. Chegaram a comer-se uns aos outros com a fome”, adivinha a proprietária do imóvel.

"Diziam-me que a polícia não ligava ao assunto”

Questionado pelo PÚBLICO, o comando metropolitano de Lisboa da PSP diz que quando a polícia se depara com indícios suficientes da prática de crime e da necessidade urgente de proteger animais e recolher meios de prova pode pedir ao Ministério Público que solicite a um juiz um mandado de busca – sem o qual entende não ter poderes para entrar nos domicílios ou violar propriedade privada. Mas não conseguiu explicar em tempo útil por que razão não o pediu neste caso, apesar dos telefonemas dos habitantes do prédio. “As idosas diziam-me que a polícia não ligava ao assunto”, relata a senhoria.

O mesmo comando metropolitano faz questão de dizer que existe “forte sensibilização do efectivo policial para a actuação em situações de animais em perigo e um considerável esforço de afectação de recursos policiais para esta vertente”.

No que diz respeito a suspeitas de crimes de maus tratos ou abandono, a PSP registou desde o início do ano e até ao início deste mês de Dezembro 1022 casos, enquanto em todo o ano de 2016 essa estatística se tinha ficado pelos 913. Já a GNR tinha levantado até 31 de Outubro deste ano 786 autos de notícia pelas mesmas razões, um número superior ao registado em todo o ano de 2016, em que deu conta de 767 casos. 

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