Quando Marcelo imita Costa

A eleição de Mário Centeno parece ter estimulado Marcelo Rebelo de Sousa a imitar o seu primeiro-ministro no contraste de comportamentos e declarações cá dentro e lá fora.

Referi na minha última crónica que António Costa se mostra dividido entre o teatro político interno e a cena internacional. Mas a eleição de Mário Centeno para presidente do Eurogrupo – uma escolha a que não foi estranha, aliás, a hábil campanha de persuasão de Costa junto de alguns líderes europeus – parece ter estimulado Marcelo Rebelo de Sousa a imitar o seu primeiro-ministro no contraste de comportamentos e declarações cá dentro e lá fora.

O que Marcelo diz cá dentro sobre o assunto mostra-o sobretudo preocupado com a acumulação de funções por parte de Centeno e o risco de isso se revelar prejudicial à gestão cuidadosa das finanças nacionais. Em contrapartida, as declarações que o Presidente tem feito à imprensa estrangeira – nomeadamente ao El País – traduzem não apenas orgulho e satisfação pela escolha de Centeno como lhe atribuem um papel relevante no futuro da política europeia. "Somos os nórdicos do século XXI", afirmou Marcelo, comparando a nova função mediadora de Portugal no contexto europeu com a que os países escandinavos desempenharam tradicionalmente na resolução de conflitos internacionais.

Pode dizer-se que as preocupações internas de Marcelo não são forçosamente contraditórias com a visão optimista e construtiva do papel de Portugal no processo reformista da União Económica e Monetária (UEM). Mas o modo e o tom utilizados para sublinhar as primeiras e destacar a segunda não parecem coerentes nem consistentes. Já aqui escrevi que o "duplo papel de Centeno – como ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo – (…) envolve riscos elevados de dispersão e conflito, mas representa uma oportunidade para fazer avançar a reforma indispensável da UEM". Ora Marcelo enfatiza os riscos a nível doméstico enquanto reserva os elogios e esperanças para as suas declarações externas, quando seria essencial que o Presidente desenvolvesse um discurso pedagógico sobre esses riscos e esperanças dirigido aos portugueses.

Receio, por isso, que Marcelo tenha uma visão provinciana e paternalista sobre um país assustado pelos medos da desprotecção – sob influência dos recentes dramas estivais ou as imperdoáveis trapalhadas governamentais – e incapaz de perceber as vantagens de devermos influenciar, tanto quanto possível, o rumo da política europeia (a que não podemos alhear-nos e da qual decisivamente dependemos).

Quando a Europa enfrenta uma encruzilhada histórica, todos os esforços e iniciativas – na senda das ideias lançadas por Macron – não serão demais para reforçar a sua coesão e o projecto federal que lhe está na origem, além da sua irradiação internacional. E isto é tanto mais essencial quanto os Estados Unidos de Trump persistem numa via isolacionista e suicidária, confirmada pelo golpe de teatro irresponsável da transferência da embaixada americana para Jerusalém.

Na primeira entrevista que concedeu como futuro presidente do Eurogrupo, ontem, neste jornal, Mário Centeno insiste nas virtudes da paciência para que as reformas europeias possam resultar. O único problema é que o excesso de paciência talvez seja incompatível com uma Europa e um mundo cada vez mais impacientes.

PS: Subscrevo na íntegra a oportuníssima crónica de João Miguel Tavares publicada ontem neste espaço. De facto, "o futebol português é uma vergonha nacional". E também eu "estou profundamente convencido de que, aos poucos, começa a afastar as pessoas decentes do futebol".

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