Gerir recursos económicos na terceira idade

Da reforma antecipada à perda de trabalho para a robotização ou à existência de filhos dependentes fruto de situações de desemprego ou de divórcio, a gestão de recursos económicos requer muita prudência para a camada mais idosa da população

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O sexo, a morte e o dinheiro são considerados três temas tabus do envelhecimento. Se, por um lado, existem pessoas que assumem com naturalidade o fim da vida, outras há que não o fazem, pouco refletindo sobre os seus últimos anos. Geralmente, as primeiras têm o cuidado de poupar, sem, no entanto, deixarem fortunas amealhadas – como se Caronte, a figura de barqueiro da mitologia grega que leva as almas dos recém-mortos para o outro lado, necessitasse apenas de umas quantas moedas, mas não de uma fortuna.

Uma das primeiras situações em que a falta de dinheiro expõe os mais velhos a problemas significativos são o subemprego, o desemprego e a reforma antecipada. As carências económicas na última fase da vida devem-se às baixas reformas associadas às reformas antecipadas, e estas estão ligadas a desemprego. No mercado laboral atual, aos 40 anos somos trabalhadores seniores. Dificilmente uma pessoa, a partir de determinada idade, será capaz de ter um lugar numa empresa contemporânea. No relatório Artificial Intelligence, Automation, and the Economy (2016), estima-se que a perda de postos de trabalho nos EUA na próxima década variará entre os 9% e os 47%, constatando-se a elevada perda de postos de trabalho para a robotização. Esta dinâmica só poderá ser alterada através da poupança, de políticas sociais e formações constantes, mas a probabilidade de se ser substituído por automatização é já muito alta.

Uma segunda situação corresponde à existência de filhos com problemas económicos. As dependências, os divórcios e as famílias monoparentais, bem como as situações de execuções por incumprimento dos filhos, são fatores que podem levar à instabilidade económica, primeiro dos filhos, depois, dos pais.

Portugal é líder em divórcios na Europa. A taxa de divórcio em 2016 foi de 69%, e os filhos divorciados tendem a ficar economicamente mais dependentes dos pais. A família monoparental tem aumentado, e ser família monoparental é risco de ter problemas económicos, sobretudo quando associada a desemprego. Entre os casos mais graves, está a execução e posterior penhora de bens dos pais por estes terem sido fiadores dos filhos. Ser fiador é ter um comportamento imprudente, uma vez que os bancos e os credores impõem condições sem se importarem com as consequências pessoais ou sociais.

Uma terceira situação refere-se a não ter casa. A subida da inflação tem impacto sobretudo nas pessoas idosas, que já são dependentes dos sistemas de reforma e incapazes de fazer aumentar os seus rendimentos, logo têm com um orçamento muito rígido.

O preço da habitação está a subir significativamente. Segundo dados do INE de 2017, o valor médio de avaliação bancária em Agosto aumentou pelo quinto mês consecutivo. A este fenómeno acresce a qualidade das casas. Dados de uma investigação recente estimou que 1,2% das habitações estudadas eram inadequadas, um número significativo de habitações (39,5%) apresentava barreiras arquitetónicas e 1,3% apresentava problemas de acessibilidade (Brandão, Santinha & Martin, 2012).

Em quarto lugar, destacam-se os investimentos errados. Muitos investiram em produtos financeiros vendidos como seguros, perdendo grande parte ou a totalidade do investimento. Os lesados tinham, na sua generalidade, cabelos grisalhos. Estamos a falar dos lesados do BPN, Banif, BES/GES, PT e Fórum Filatélico. Alternativas viáveis poderão ser a canalização da poupança para produtos financeiros como depósitos a prazo em bancos capitalizados e com gestão responsável, e em produtos do Instituto de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (Certificados de Aforro e outros).

Finalmente, as “raspadinhas”. Quando se pensa em dependências, ativa-se sobretudo uma imagem relativa à juventude (consumo de drogas) ou de meia-idade (recurso a prostituição, casino, compras). No entanto, observa-se a imprudência de muitas pessoas a testar a sua sorte de forma compulsiva. As “raspadinhas” têm o poder de separar as pessoas do seu dinheiro, tornando-se um problema principalmente para os mais pobres. Quem diz “raspadinhas” também diz as chamadas de custo acrescentado.

Socialmente, deve-se desincentivar a poupança excessiva na terceira idade, para que esses recursos passem às gerações mais novas e lhes permitam criar novas famílias. Curiosamente (ou não) estamos a fazer o contrário. Estamos a reduzir a capacidade económica dos mais novos, induzindo erradamente a poupança nos mais velhos. Quando se difunde um discurso de medo económico como é a sustentabilidade da Segurança Social, fomenta-se o conflito entre gerações porque induz a um excesso de poupança na terceira idade. Deve-se gerir o dinheiro com prudência – mas quando Caronte nos levar ao outro lado do rio Aqueronte, deixaremos nesse rio os sonhos e os deveres que não foram realizados em vida.

Jose Ignacio Guinaldo Martin é professor na Universidade de Aveiro. CA+ . O autor segue o novo AO

Referências: Brandão, D., Santinha, G., & Martín, I. (2012). Estimação da prevalência de carência habitacional grave entre a população idosa em Portugal: Revisão da literatura. Actas da 1.ª Conferência de Planeamento Regional e Urbano & 11.º Workshop da APDR: Território, Mercado Imobiliário e a Habitação Aveiro. 

 

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