Um seguro de vida para Costa em 2019

A vitória de Costa é, no fundo, o corolário de uma estratégia de governação em que o primeiro-ministro apostou ainda antes de ser governo, na qual Centeno é a peça-chave

O ministro das Finanças, Mário Centeno, foi na segunda-feira eleito presidente do Eurogrupo. Não é demais salientar a importância desta eleição. É significativo ver os líderes europeus cujos partidos estão inscritos no Partido Popular Europeu (PPE) com a chanceler alemã, Angela Merkel, à cabeça, aceitar para tal cargo o ministro das Finanças de um pequeno país do Sul, intervencionado entre Maio de 2011 e Maio de 2014 pela troika constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, por estar à beira da bancarrota e ter necessitado de um empréstimo de 78 mil milhões de euros.

Se esta eleição de Centeno não significa que as linhas mestras do pensamento sobre política económica mudaram na União Europeia (UE) ou na zona euro, o que é facto é que, ao aceitarem o ministro das Finanças português para coordenar o Eurogrupo, os Estados-membros estão a admitir oficialmente que há formas de governar as finanças públicas para além da ortodoxia pura da Comissão Europeia. É no fundo um reconhecimento formal de que havia alternativa de caminho e de meios para obter a consolidação orçamental e para retomar o equilíbrio do crescimento. Mesmo que a receita de Centeno tenha sido aplicada já depois do reajustamento feito pelo Governo de Passos Coelho, que conseguiu em 2015 deixar o défice dentro dos limites do Tratado Orçamental, ou seja, abaixo dos 3%. O actual Governo, aliás, nunca pôs em causa as regras europeias, apenas escolheu outro caminho para as cumprir.

A eleição de Centeno é de saudar também porque este é um cargo de importância real (não institucional) dentro da UE. E é-o, sobretudo, num momento em que os líderes dos 27 Estados-membros que constituem o Conselho Europeu vão debater questões centrais no futuro da UE, relacionadas com o funcionamento da zona euro,como Sérgio Aníbal explicou no PÚBLICO de 1 de Dezembro.

Esta vitória é de Centeno, mas é-o também do primeiro-ministro, António Costa. Foi ele que se empenhou a fundo nas negociações entre chefes de governo para assegurar o apoio do Partido Popular Europeu ao candidato do Partido Socialista Europeu. Mas a vitória de Costa é, no fundo, o corolário de uma estratégia de governação em que o primeiro-ministro apostou ainda antes de ser governo, na qual Centeno é a peça-chave. Como escrevi a 12 de Novembro de 2016, “Centeno foi durante todo o percurso de Costa até primeiro-ministro a figura com estatuto e prestígio académico para legitimar do ponto de vista dos critérios da tecnocracia o projecto político do líder do PS”. Mas depois de ser primeiro-ministro “Centeno é uma peça decisiva na estratégia de poder de António Costa”, já que “a maleabilidade de Centeno é essencial à gincana de poder de Costa”.

E é precisamente por isto que a nível interno se inicia uma nova fase em que a eleição de Centeno é um seguro de vida para Costa. Por um lado, pode criar desgaste devido ao tempo mais diminuto que Centeno terá para olhar pelas finanças públicas portuguesas. Por outro lado, pode ajudar a estabilizar o equilíbrio do poder governativo e as finanças públicas. Ao presidir ao Eurogrupo, o ministro das Finanças português estará melhor escudado, por força do cargo que ocupa, a não ceder a pressões dos parceiros de aliança de governo nas negociações do Orçamento do Estado para 2019.

Talvez até por isso, tenha sido feita tanta redistribuição no Orçamento de 2018, a qual se repercutirá no de 2019. Costa acreditava nesta eleição de Centeno e sabia que com ela, para o ano, o ministro das Finanças não poderá desviar-se e reinventar qualquer critério do Conselho de Ministros das Finanças da zona euro a que preside. Quanto ao BE e ao PCP, será que estarão em condições de chumbar o OE2019 e atirar o país para eleições antecipadas?

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