Neste lar vive a “primeira-dama”, o grande amor de Marcelo, juram

Centro Comunitário da Gafanha do Carmo continua a fazer questão de mostrar ao país e ao mundo que a vida num lar da terceira idade é tudo menos entediante. Alguns dos seus projectos foram notícia além-fronteiras.

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Adriano Miranda
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Nota prévia: esqueça as ideias e imagens preconcebidas que tem dos lares de idosos. Nesta instituição, grande parte dos utentes convivem numa sala onde a música toca bem alto, passam parte dos seus dias a participar em vídeos e paródias que se tornam virais na internet e ainda arranjam um tempinho para ir ao Facebook espreitar os comentários às suas fotos e vídeos. Mais do que uma residência para a terceira idade, o Centro Comunitário da Gafanha do Carmo é uma “casa onde vivem pessoas felizes”, asseguram Ângelo Valente e Sofia Nunes, os grandes responsáveis pelo pulsar deste lar e por tudo o que o torna único, caso raro no país. Tão raro que passam a vida a dar entrevistas para os jornais, rádios e televisões, e a receber famosos nas suas instalações – logo à entrada, há um wall of fame que não deixa margem para dúvidas.

Já parodiaram Miley Cirus - um vídeo que chegou a ser notícia no Brasil -, Cristiano Ronaldo e até o Presidente da República, e a sua criatividade parece não ter limites. O que lhes falta? “Ir ao programa da Ellen era o nosso sonho”, atiram, ao mesmo tempo que assumem ser grandes fãs do talk show de Ellen DeGeneres. Também ainda não receberam a visita de Marcelo Rebelo de Sousa mas a avaliar pela quantidade de visualizações e likes que obtiveram com a recente “entrevista” ao Presidente da República – um vídeo no qual “revelam” que o “grande amor” de Marcelo é a D. Ermelinda, uma utente da instituição, com 90 anos – não seria de estranhar se, um dia destes, o chefe de Estado passasse a integrar a galeria de famosos que visitaram a instituição sediada na mais pequena freguesia do município de Ílhavo – e também uma das mais pequenas de toda a região de Aveiro (1758 habitantes, de acordo com os Censos 2011).

Para contar a história deste centro comunitário não é preciso recuar muito no tempo – foi inaugurado a 4 de Outubro de 2010, graças ao empenho de um grupo de cidadãos da terra – nem requer grandes floreados. “Tudo aconteceu de forma natural”, conta Sofia Nunes, gerontóloga, que começou a trabalhar na casa poucos meses após a sua abertura. Ângelo Valente já lá estava – desde o primeiro dia -, mas foi como dupla que se tornaram infalíveis. “Desde a primeira hora que assumimos que queríamos que esta instituição fosse uma casa para os utentes”, relatam. “É horrível ter de ir para um lar, deixar a nossa casa e passar a viver num sítio onde não se conhece ninguém. É a imagem de ir para um hospital e ficar para sempre”, exemplifica Ângelo Valente, animador, para justificar o facto de assumirem, como aposta maior, a criação “de um home like environment” no lar. “As pessoas entram para aqui para ficar, para viver cá. É-nos inconcebível que as pessoas vivam num sítio que não considerem delas”, reforça, por seu turno, Sofia.

Vadio que virou estrela

Cerca de dois anos depois de ter entrado em funcionamento, o Centro Comunitário da Gafanha do Carmo deixou o anonimato. Tudo por causa do Facebook, rede social à qual aderiram para chegar aos familiares dos utentes da instituição. “A Gafanha do Carmo é um local muito marcado pela emigração. Todas as pessoas que estão cá têm um familiar que está no estrangeiro e muitas delas têm a família toda”, enquadram. E é para estabelecer a comunicação entre cá e lá que criam uma página no Facebook. “Era diferente falar só ao telefone ou os familiares poderem ver fotos e vídeos dos utentes”, argumenta Sofia. Começam, assim, a sucederem-se os posts com fotografias da “casa” e da família, nomeadamente do Vadio, que acabou por ser o grande responsável pelo primeiro convite que receberam para ir à televisão. Foi o primeiro de dois cães que vieram a ser adoptados por este lar do município de Ílhavo e que são hoje, inquestionavelmente, parte da família – para onde os utentes e a equipa vão, também tem de haver lugar para eles. No caso do Vadio não foi bem o lar a adoptá-lo, mas mais o contrário. “Seguiu-nos numa actividade que costumamos fazer que é dar um passeio a pé pela Gafanha do Carmo, e estava completamente sujo, cheio de rastas”, recorda Sofia. “Era um Bob Marley. Ainda o tentámos meter a cantar, mas ele não cantou (risos)”, acrescenta Ângelo. Não cantou, mas encantou e, passado pouco tempo, ganhou uma companhia canina: a Viana, uma labradora, que tinha sido cão-guia (foi para o centro quando se reformou). Juntos garantem a alegria da casa, dão e reclamam mimos aos utentes da instituição e quando lhes abrem a porta para o pátio dão umas valentes correrias.

Mais de 200 mil visualizações por semana

Actualmente, o Centro Comunitário da Gafanha do Carmo tem cerca de 33 mil seguidores no Facebook e “chega a um total de 200 mil pessoas por semana”, assegura Ângelo Valente. A razão de todo este sucesso? A quantidade de mensagens positivas e vídeos divertidos que vão fazendo questão de partilhar com aqueles que os seguem. Com essa certeza: “não trabalhamos para mostrar ao público”, garantem. Ângelo Valente faz questão de assegurar que tudo aquilo que passa lá para fora é a mais pura das realidades (e felicidades). “Temos várias pessoas que mudaram completamente, passaram a ser muito mais alegres quando mudaram para cá”, relata, exemplificando com o caso da D. Ermelinda, “hoje uma estrela da Internet, que aparece agora neste último vídeo como sendo a ‘primeira dama’, namorada do Marcelo, andava na rua vestida de preto, cabisbaixa, antes de vir para o centro”.

A D. Ermelinda tem 90 anos, é adepta do Benfica – mas já foi vista e filmada a torcer pelo Futebol Clube do Porto, razão pela qual começaram a chamar-lhe, na brincadeira, “a falsa” – e tem uma genica capaz de fazer inveja a muita gente bem mais nova. É também fã de Marcelo Rebelo de Sousa - desde “o tempo em que ele fazia o programa com a Judite [Sousa]”, nota -, de quem guarda uma foto no seu quarto. “Ele está ao lado do meu genro”, conta-nos, a propósito da imagem captada durante uma visita do Presidente da República à Vista Alegre e que está colada junto ao espelho da sua cómoda. Diz-se feliz por viver no Centro Comunitário da Gafanha do Carmo, tanto mais porque se assim não fosse, “ia embora. A casa é perto”, assegura.

Também João Fernando, outro dos utentes que participa, com grande assiduidade, nos projectos e paródias da instituição, diz ser hoje “uma pessoa realizada e feliz”, graças àquela que tem sido a sua vida no centro. Nasceu com paralisia cerebral e há algo que não esquece: “não queriam que eu fosse para a escola porque era deficiente”. Não se resignou e foi. “E hoje continuo a não ter medo de enfrentar novos desafios”, afiança.

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Adriano Miranda

Transformar pessoas e fazê-las felizes

É a partir de exemplos como os da D. Ermelinda e do João Fernando que Ângelo Valente admite que “mais do que divertir os utentes do lar”, toda esta dinâmica em termos de projectos e iniciativas consegue “transformar as pessoas”. “Alguns se calhar são mais felizes aqui do que alguma vez foram na vida”, admite, sem deixar de evidenciar que “toda esta nossa forma de comunicar mandou essa mensagem ao país: independentemente da idade, a pessoa tem o direito a ser feliz, a dizer o que pensa”. Um princípio que ficou logo bem patente num dos primeiros projectos do centro e, simultaneamente, o mais polémico de todos. A paródia ao vídeo Wrecking Ball, da Miley Cyrus, em 2014, foi alvo de críticas por parte de “familiares de utentes e muitas pessoas”, recorda Sofia. Mas “as pessoas que participaram no vídeo fizeram-no por vontade própria. Não é porque um senhor tem 80 anos que nós passamos a mandar na vida deles”, argumenta. Críticas à parte, fica essa nota: “todos nós que estivemos envolvidos na produção do vídeo chorámos a rir enquanto o fazíamos”, declara a gerontóloga. Um estado de espírito que parece ser comum neste lar, especialmente de cada vez que a máquina é ligada e as filmagens começam a rodar.

Mais de 10 sonhos concretizados

Outro dos grandes projectos do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo foi o “Antes de morrer quero…” – inspirado no “Before I die”, um projecto nascido nas paredes de uma casa em Nova Orleães, onde alguém que perdeu as pessoas que amava escreveu as suas aspirações numa parede – que conseguiu tornar realidade um total de 13 sonhos. Na página de Facebook do centro foram sendo partilhadas fotos individuais de 26 utentes que apresentavam, escrito a giz numa lousa, o desejo que gostavam de realizar antes de morrer. Conhecer o Marco Paulo, pintar o cabelo de azul, cantar em público, andar de avião, visitar a Figueira da Foz, foram alguns dos sonhos apontados e realizados. “Foi fantástico. Colocámos as fotos na internet e as pessoas começaram logo a contactar-nos para concretizar os sonhos dos nossos utentes”, avalia Ângelo Nunes. “E mesmo aqueles que não conseguiram ver realizados os seus sonhos sentiram-se muito felizes ao assistir e ao fazer parte da concretização dos sonhos dos outros utentes”, destaca.

Nesta casa que tem como lema “Multiplicar a felicidade, dividindo-a”, há agora um novo sonho que importa concretizar: publicar um livro sobre a instituição e o seu trabalho. Os primeiros passos já estão a ser dados e a obra deverá já ser uma realidade na Primavera de 2018, sob a chancela da Cultura Editora. 

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