Processos a Ascenso Simões e a militantes que se candidataram contra o PS vão animar reunião socialista

Daniel Adrião, que promete suscitar as questões na Comissão Política Nacional, e Álvaro Beleza criticam a falta de liberdade imposta aos deputados e militantes socialistas pelas cúpulas do partido.

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Carlos César está sob fogo de alguns socialistas pela reacção contra Ascenso Simões Paulo Pimenta

Os processos de suspensão a 320 militantes socialistas que se candidataram em listas independentes nas autárquicas de Outubro e o de Ascenso Simões, por ter violado a disciplina de voto num artigo do Orçamento do Estado, colocando-se ao lado do Bloco no caso da taxa das renováveis, assim como os pedidos de filiação de 200 membros de uma associação cigana prometem animar a reunião da Comissão Política Nacional do PS da próxima terça-feira à noite.

Daniel Adrião, uma das actuais vozes mais críticas no seio do PS, disse ao PÚBLICO que tenciona suscitar as questões no encontro e o antigo membro da direcção do partido Álvaro Beleza promete juntar-se à discussão. Adrião considera que há hoje um “excesso de zelo lamentável” no PS e identifica mesmo um “padrão” de comportamento de “controlo férreo do poder” que está a “fechar” o partido em vez de este apostar na “abertura e transparência para ajudar a regenerar o sistema político”. Dá como exemplos os casos de Ascenso Simões, das 200 pessoas de etnia cigana que se querem filiar no partido a quem estão a ser criadas dificuldades burocráticas e dos militantes ameaçados com a suspensão, que foram, diz o socialista, alvo de uma atitude confusa do próprio partido, que permitiu a aplicação de “normas contraditórias” para a escolha dos candidatos em um terço dos municípios.

Na repetição da votação da proposta do BE que criava uma taxa para as produtoras de energias renováveis, Ascenso Simões votou ao lado dos bloquistas e contra a sua bancada. Três dias antes, o PS tinha aprovado a proposta mas depois voltou atrás e chumbou-a. Pelos estatutos do partido e da bancada, as questões do orçamento são alvo de disciplina de voto e Ascenso violou o preceito. Carlos César pediu à comissão de jurisdição que tome a “decisão que entender devida” – ou seja, que veja se deve haver processo disciplinar.

A carta do presidente do partido e da bancada seguiu apenas dois dias depois de Ascenso ter criticado duramente a sua atitude numa entrevista ao Sol. O deputado disse que, “se tivesse a responsabilidade”, teria “pedido desculpa” ao Bloco, argumentando que tal impediria o discurso da “deslealdade” e teria “transformado os deputados do PS em pessoas com valores”. E defendeu, ao contrário de César, que o PS está, sim, refém dos partidos que apoiam o Governo, com quem tem uma tripla relação – “política, de honradez pessoal e de dignidade institucional”.

Álvaro Beleza quer acreditar que isto “não vai dar em nada”. Porque, se der, “mal estará o PS”, lembrando a “tolerância e rebeldia que está nos genes do partido”, uma das “grandes contribuições de Mário Soares”, ironizando sobre o facto de isto se passar quando se assinala o aniversário do fundador.

“Não se trata de violar estatutos do partido; trata-se de liberdade pessoal dos deputados que pensam por si, em vez de serem carneiros que obedecem cegamente às direcções. As lideranças gostam de ter deputados que obedecem. Temos yes men a mais na política.” O antigo dirigente não quer acreditar que Ascenso tenha sido escolhido como um “exemplo”. “Seria normal que o líder da bancada se zangasse. Mas um processo disciplinar é muito salazarento e inquisitorial.”

Questionado pelo PÚBLICO sobre a queixa à comissão nacional de jurisdição aprovada por unanimidade na direcção da bancada parlamentar e assinada por Carlos César, Ascenso Simões recusou fazer comentários, dizendo estar à espera da notificação daquele órgão estatutário.

O antigo deputado Marcos Sá também foi muito crítico num comentário deixado na rede social Facebook. "O meu partido é o da liberdade. É o partido que respeita a opinião de todos e que sempre integrou, como nenhum outro, todas as sensibilidades num projecto político que tem sempre a ambição de ser de todos. Essa é a marca distintiva do PS." Afirmando que, se estivesse no lugar de Ascenso Simões, "faria o mesmo", o dirigente concelhio socialista defende que o PS "é que tem que explicar a mudança de posição, na próxima Comissão Nacional do PS", já que Ascenso Simões manteve a posição de voto original socialista.

Marcos Sá diz que a decisão de Carlos César é "perigosa", em especial pelo que representa por vir do presidente do partido. "Ela ataca tudo e todos. Ela ataca a história de liberdade do PS", aponta, questionando-se sobre o que pensam dela históricos como Manuel Alegre, Alberto Martins ou Jorge Coelho.

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