Os papéis

A União Europeia chegou a constituir-se como uma fonte de esperança e farol de orientação para a governança global. Manifestamente, não tem conseguido.

Nos últimos anos têm sido revelados diversos escândalos financeiros que põem a nu a imoralidade da governança global. Tanto o mais recente “Paradise Papers” como o mais antigo ”Panama Papers” mostram a forma como as elites económicas e financeiras utilizam esquemas complexos para não pagar impostos sobre os seus lucros e fortunas.

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Nos últimos anos têm sido revelados diversos escândalos financeiros que põem a nu a imoralidade da governança global. Tanto o mais recente “Paradise Papers” como o mais antigo ”Panama Papers” mostram a forma como as elites económicas e financeiras utilizam esquemas complexos para não pagar impostos sobre os seus lucros e fortunas.

Um caso mais antigo é o Luxleaks, o primeiro que me recordo, que destapou igualmente um esquema de fuga ao fisco de várias grandes empresas mundiais. Ou melhor, destapou um esquema de planeamento fiscal agressivo, como gostam de dizer os grandes escritórios de advogados e demais especialistas na matéria. Que me recorde, houve duas consequências substanciais que advieram do caso Luxleaks: os denunciantes do caso foram condenados em tribunal por divulgação de informação confidencial; e o então Primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, foi promovido a Presidente da Comissão Europeia.

Isto não é, confessemos, nada que nos possa surpreender. Em particular dentro da União Europeia. Olhando para o principal índice bolsista português, o PSI-20, verificamos que parte das maiores empresas portuguesas deslocalizaram as sedes para a Holanda de forma a pagar menos impostos. Como alertou recentemente o economista belga Paul de Grauwe, há países dentro da União Europeia a roubarem ostensivamente o orçamento de outros estados membros, nomeadamente países como a Holanda, Luxemburgo, Bélgica e Irlanda. No Luxemburgo, 70% da receita com o imposto sobre as empresas advém deste tipo expatriamento de lucros. Na Holanda são cerca de 40%.

Numa Europa por vezes tão zelosa em recriminar e pressionar os países membros em assuntos porventura marginais, exigia-se uma maior condenação neste tipo de “planeamento fiscal agressivo” - um epíteto perfeito desta globalização financeira sem freios - que depaupera a capacidade orçamental de estados com menos condições, como é o caso de Portugal, tirando-lhes a possibilidade de cobrar impostos de forma efetiva e de financiar os indispensáveis serviços públicos como a Educação, Saúde e Proteção Social.

A solução desta problemática torna-se particularmente complexa quando o único corpo com possibilidade de intervenção - o poder político -, é eleito e responsabilizado localmente, mas tem de responder a forças eminentemente globais, como são as forças económicas atuais, cuja responsabilização e fiscalização não é feita por nenhum tipo de deliberação democrática.

Por sua vez, as instituições supranacionais, entidades que podiam promover a transparência e regulação das movimentações financeiras, acabam por ser edificadas à medida dos interesses dos detentores de capital. Desse ponto vista, a União Europeia chegou a constituir-se como uma fonte de esperança e farol de orientação para a governança global - um modelo alternativo que conseguisse travar a ascendência dos chamados poderes fáticos. Manifestamente, não tem conseguido. É uma grande reforma estrutural que continua por fazer.