Governo sublinha "oportunidade e necessidade" de regulamentar a Uber

Decisões judiciais contraditórias revelam urgência em regulamentar uma actividade que já está no terreno e é utilizada por milhares de pessoas

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Discussão sobre regulamentação de serviços como o da Uber está parada há mais de nove meses no Parlamento LUSA/WILL OLIVER

Os juízes não se entendem. E para uma mesma situação – a utilização de serviços de transporte de passageiros geridos através de plataformas electrónicas – há interpretações jurídicas diferentes.  

Se o Tribunal da Relação de Lisboa, indeferiu, no passado dia 24 de Novembro, o recurso apresentado pela Uber e confirmou a decisão cautelar de Julho de 2015 que declarava como “ilegal” o funcionamento da Plataforma Uber Technologies em Portugal, uns dias antes, o tribunal Judicial da Comarca de Lisboa aceitou o pedido de impugnação de uma empresa multada em seis mil euros pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) por não estar licenciada para prestar serviços de táxi.

A empresa em causa transportou clientes através da plataforma Uber, o IMT levantou-lhe uma contra-ordenação, e o tribunal acabou a absolvê-la da multa, admitindo que não precisava de ter licença de táxi, já que estava a prestar um serviço "inovador e distinto".

 “O transporte de aluguer em veículos automóveis de passageiros que é prestado através da solicitação efectuada na aplicação de telemóvel da Uber é, a nosso ver, em tudo distinto daquele que é efectuado pelo convencional/tradicional táxi”, lê-se na decisão do Tribunal de Lisboa a que leva a data de 7 de Novembro e a que o PÚBLICO teve acesso.

Entre as diferenças apontadas face à actividade tradicional dos táxis, a juíza Armandina da Silva Lopes refere o poder que é dado ao utilizador de escolher trajecto, veículo e até condutor, saber previamente quanto vai pagar pelo transporte. E embora reconheça que estes prestadores de serviços fazem “um transporte público de aluguer em veículos automóveis ligeiros de passageiros”, a estes não pode ser aplicado o decreto de lei que regulamenta a actividade dos táxis. “Não olvidamos (…) que o acesso à actividade e ao mercado não se encontre regulamentado e que essa regulamentação até seja necessária". No entanto, “não é por chegarmos a esta conclusão que iremos decidir aplicar a esta actividade um diploma que não a prevê nem a contempla, por distinta e inovadora”, conclui a juíza.

O Governo recusa-se a comentar decisões judiciais, e ao PÚBLICO, o secretário de estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, que trabalhou na proposta aprovada em Conselho de Ministros e levada a discussão à Assembleia da República, limita-se a “constatar” a “oportunidade e a necessidade” de regulamentar uma actividade que tem aceitação em Portugal, que tem trabalhadores e utilizadores.

“Não é uma posição política. É um facto: há milhares de trabalhadores, que também têm famílias, que exercem a sua profissão nestas empresas, e há milhares de utilizadores que usam os serviços de mobilidade destas plataformas. Em todas as latitudes e geografias foram sendo encontrados mecanismos de regulação. Portugal também deve encontrar o seu. O Governo já fez as suas propostas. O PSD e o Bloco de Esquerda também. Agora é preciso discuti-las e aprová-las”, declarou José Mendes.

O secretário de Estado também se recusou a comentar a agenda dos trabalhos parlamentares, e em justificar porque razões é que esta discussão está parada há mais de nove meses.

O projecto de lei apresentado pelo Governo para regulamentar a actividade de transporte de passageiros em veículos descaracterizados através de plataformas electrónicas, como a Uber e a Cabify, foi discutido e apresentado na Assembleia da República no dia 17 de Março. Mas não chegou a ser votado no plenário, tendo baixado à comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas para debate na especialidade. Ainda não há data para a sua apreciação, e o presidente desta comissão parlamentar, o deputado centrista Hélder Amaral, limitou-se a referir, em declarações à Lusa, que a sua discussão está “para breve”.

No próximo dia 12, a Federação Portuguesa do Táxi e a ANTRAL vão ser ouvidas, novamente, na Comissão. A Associação Nacional dos Parceiros das Plataformas Alternativas de Transporte (ANPPAT) dinamizou uma petição pública, que conta com cerca de cinco mil assinaturas onde consideram ser "urgente" a aprovação da proposta de lei apresentada pelo Governo em sede de comissão parlamentar. "A sua entrada em vigor trará segurança e ordem jurídica à actividade de transporte privado de passageiros em Portugal, em detrimento de uma lógica anti-concorrencial claramente em oposição aos valores comunitários pelos quais nos regemos também - valores esses de segurança e ordem jurídica que são essenciais, e que cabe ao Parlamento defender", escrevem.

Desvalorizando a decisão do Tribunal da Relação, que aceitou os argumentos da ANTRAL, a organização que representa os taxistas, a Uber prefere sublinhar a justeza da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa: “Esta decisão confirma que a Uber e os seus parceiros prestam um serviço inovador e legal, distinto do serviço de táxi”. “A diversidade das perspectivas judiciais que surgiram nos últimos dias reforça a necessidade de que sejam actualizadas as leis que governam a mobilidade em Portugal”, comentou ao PÚBLICO fonte oficial da Uber. “A forma como as pessoas se deslocam nas cidades por todo o mundo está a mudar e esperamos que o Parlamento português reconheça a necessidade de aprovação de uma regulação que vá ao encontro das pessoas e das cidades portuguesas”, termina a mesma fonte.

Também Nuno Santos, director geral da Cabify, outra das plataformas electrónicas que organiza este tipo de transporte, disse ao PÚBLICO esperar “que as entidades competentes cheguem a uma conclusão em breve”. “A Cabify tem vindo a demonstrar a sua total disponibilidade para colaborar neste processo e para produzir soluções para as algumas das questões que se levantam ao longo deste caminho”, afirmou, defendendo que uma “regulação progressista e abrangente será benéfica para todos os que constituem o sector da mobilidade em Portugal, nomeadamente para os motoristas e operadores que investiram neste negócio e viram nele uma oportunidade para verem os seus rendimentos crescer”.

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