Os Horrors vêm a Portugal mostrar "só o bom, muito rápido"

Os Horrors já foram "a banda mais magra de Inglaterra", já foram negrume garage-rock e isso já foi há muito tempo, como o comprava V, o celebrado novo álbum que apresentam no Porto e em Lisboa, dias 9 e 10 de Dezembro.

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“Meu, isso foi há séculos!”, exclama Joshua Hayward, guitarrista dos The Horrors. Tínhamos acabado de lhe relatar o primeiro concerto da sua banda a que assistimos. Estávamos em 2006 e os The Horrors tinham acabado de editar o single de estreia, Sheena is a Parasite. Alcunhados na imprensa britânica como “the thinnest band in England” (“a banda mais magra de Inglaterra”), acompanhavam os americanos Soledad Brothers, o magnífico trio garage-rock que terminaria carreira nesse mesmo ano. Os The Horrors asseguraram a primeira parte de alguns dos concertos e num clube na zona este de Londres, com o pub predilecto de Jack, o Estripador do outro lado da estrada, lá os vimos, realmente magros, altos e esguios enfiados nas calças e camisas pretas justas, com cabelos despenteados por choque eléctrico (assim parecia, principalmente o vocalista Faris Badwan), a tocar um garage-rock em tom sinistro, com sombras góticas a surgirem entre o fuzz das guitarras e som tremeluzente do órgão vintage.

“Meu, isso foi há séculos!”, exclama então Joshua Hayward, onze anos e cinco álbuns depois, quando os The Horrors se preparam para vir a Portugal apresentar o mais recente, V, quando garage-rock não será certamente a definição mais adequada para descrever a música que criam, como testemunharemos no Hard Club, no Porto, a 9 de Dezembro, e no Lisboa Ao Vivo, no dia seguinte (ambos os concertos com início marcado para as 21h, bilhetes a 23 euros).

A mudança chegou logo ao segundo álbum, Primary Colours, editado em 2009 e sucessor de Strange House. A banda formada por cinco amigos de Southend-On-Sea tinha-se reunido com um propósito simples: “Adorávamos música e achávamos que devíamos fazer umas covers de garage”, conta Joshua. "Se estás a começar a tocar, o garage parece-me um óptimo ponto de partida. Aprendes três acordes a andas à volta daquilo. Mas nunca quisemos ficar apenas nesse lugar”. Primary Colours mostrou que não. Venha a batida sincopada, mecânica, resgatada a discos kraut, venha o sentido de espaço e a capacidade de criar um ambiente cénico (sintetizadores ao alto) de uns Psychedelic Furs, venha o ruído sónico bem orquestrado, como legado pelo shoegaze ou, antes, pelo space-rock. 

“Quem ouvir com atenção o nosso primeiro álbum, sabe que não é exactamente um álbum garage, tem alguns pormenores mais próximos do industrial, sons criados com sequenciadores, microfones de contacto ligados a bombos”, recorda Hayward. “Houve sempre a necessidade de nos desafiarmos para percebermos quão longe poderíamos chegar”. Chegaram, depois de Primary Colours, Skying (2011) e Luminous (2013), a esta posição curiosa. V, editado em Setembro e produzido por Paul Epworth (Bloc Party, Adele, Coldplay, U2), tem sido acolhido como o grande álbum da banda, aquele em que conseguem reunir à criação de um universo sonoro divagante, ideal para nos perdermos em som, genes synth-pop em doses controladas e um extremo cuidado na composição de canções de corpo inteiro – o conteúdo a reunir-se à forma, em resumo.

Já se escreve por Inglaterra que a banda, habituada a ser vista como outsider, pode erguer-se a fenómeno popular com lugar reservado nas maiores salas de concertos, onde, como acontece nesses casos, se encontrará muita boa gente que, há um par de anos, não fazia mínima ideia quem eram esses tais The Horrors. Nada que entusiasme, assuste ou horrorize particularmente Joshua Hayward.

Quando lhe recordamos o tal concerto dos primórdios, aproveita a deixa para relatar uma curta e peculiar biografia da banda. “Fizemos dois ensaios antes do primeiro concerto, no [pub] Spread Eagle, em Londres. Depois desse concerto, fomos contratados para mais três e foi uma bola de neve a partir daí. Não parámos de tocar. Depois, o Ben Swank [baterista dos Soledad Brothers, co-fundador da Third Man Records de Jack White] perguntou-nos se queríamos gravar um single e nós exclamámos ‘uau, vamos gravar um disco!’ e não pensámos em mais nada. Mas a esse single seguiu-se um álbum, depois uma digressão, e tem sido assim. As pessoas pedem-nos para fazer discos, nós fazemo-los e vamos tocá-los onde nos pedem”. Muito simples, portanto. “Somos péssimos homens de negócios, e é provável que fossemos mais bem-sucedidos financeiramente se não fizéssemos as coisas como fazemos, mas ainda estamos juntos e já ninguém está, portanto, alguma coisa estaremos a fazer bem”.

Quando Joshua Hayward diz que nenhuma banda continua junta, refere-se à miríade de companheiros de geração que, tal como eles, foram elevados aos píncaros quando alguém lhes descobria a conta de MySpace (estávamos em 2005, recordemos), mas que, ao contrário deles, se eclipsaram sem deixar rasto pouco tempo depois – por onde andarão por estes dias os Hot Hot Heat, os White Rose Movement, os Dead 60s, os Dogs Die In Hot Cars ou os Does It Offend You, Yeah? A coisa chegou ao ponto de, aqui e ali, já os lermos adjectivados de "veteranos”, o que tem o seu quê de cómico considerando que os Horrors são formados por pessoal acabado de sair da segunda década de vida. “Já chegámos a esse ponto?”, gargalha Joshua. “Então não faltará muito para o merecido ‘prémio carreira’”. No contexto em que chegam a Portugal, essa ideia de velhice precoce parecer-lhes-á ainda mais absurda. Isto porque sentem V como um rejuvenescimento.

Luminous fora criado num estúdio que a banda construiu para si. Apesar de todo o conforto, ou precisamente por causa dele, sentiram que algo estagnara e que repetir a experiência equivaleria a acto de auto-sabotagem. Assim sendo, livraram-se do estúdio, contactaram Paul Epworth e mudaram-se para o estúdio do produtor. “Isso trouxe uma energia completamente diferente, porque o ambiente era outro, porque estávamos com outra pessoa, a conviver com as ideias dela”. Foi Epworth que lhes disse que pensavam demasiado e que deviam ser mais instintivos. “Tocámos durante tanto tempo, a seguir instintivamente os novos caminhos para onde cada um de nós se ia dirigindo, que acabámos por nos encontrar num mesmo espaço mental”. Com cerca de 60 canções preparadas para serem canções a sério, escolheram posteriormente aquelas em que sentiam “a vibração certa”.

No final do processo, tudo certo, como o têm demonstrado os concertos, em que o novo álbum tem óbvio protagonismo. “Estamos mesmo muito entusiasmados com ele”, diz. Mas nada temeis, admiradores da carreira toda dos The Horrors: “Teremos, ainda assim, uma boa mistura de tudo o que fizemos desde o início”. Viagem rápida e intensa, promete Hayward. “O alinhamento parece desaparecer num instante. Tocamos uma canção e parece acabar no minuto seguinte”. Para o guitarrista, é óptimo que assim seja. “Não gostamos de sets longos. Eu não gosto de bandas que parecem tocar durante uma eternidade. ‘Oh meu Deus, já passaram duas horas e meia e aqueles gajos ainda estão ali’. Porquê tocar os lados B todos, que nem são nada de especial? Detesto aborrecer-me com bandas de que gosto e nós não queremos aborrecer ninguém. Nós mostramos só o bom, muito rápido”. Directos ao assunto. “Como um bom murro nas fuças”. Preparemo-nos para mostrar a outra face.

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