Doentes cabo-verdianos com ordem de saída da Pensão Madeira

Administração informou embaixada que teria até 15 de Dezembro para arranjar alojamento para 27 doentes e 11 acompanhantes. Embaixada quer mais tempo. No ano passado chegaram a Portugal 620 doentes de Cabo Verde. Muitos ficam em pensões, algumas sem condições, como a que agora vai fechar.

A Pensão Madeira, em São Bento, é uma das três onde estão alojados doentes
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A Pensão Madeira, em São Bento, é uma das três onde estão alojados doentes Rui Gaudêncio
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Rui Gaudêncio

Os 27 doentes cabo-verdianos que estão alojados na Pensão Madeira, em Lisboa, ao abrigo de um protocolo com o Governo português vão ter que sair e encontrar alternativas em breve.

A administração da pensão disse que ia fazer obras no edifício “na sequência de uma vistoria (cujo relatório ainda não foi produzido)” e por isso pediu à embaixada de Cabo Verde que os doentes (e 11 acompanhantes) “encontrassem outras alternativas de alojamento, até 15 de Dezembro”, diz esta entidade num texto publicado na sua página de Facebook.

A embaixada afirma que respondeu dizendo que “o realojamento exigia muito mais tempo, pelo que não podia atender ao prazo fixado”.

A Pensão Madeira, em São Bento, é uma das três em Lisboa onde estão alojados os doentes cabo-verdianos. Em Outubro, o PÚBLICO visitou-as. E relatou as condições precárias que ali existem. Quartos com roupa e objectos a monte, infiltrações, aparelhos eléctricos no quarto para aquecer comida e uma cozinha que nem fogão tinha — foi o cenário encontrado naquele edifício.

Questionada pelo PÚBLICO esta semana, a embaixada não adiantou qual a nova data limite para a saída dos doentes. Mas garante em comunicado que já foram encontradas soluções para “boa parte dos doentes” — não especifica quantos — e acredita que “vai encontrar solução para todos”.

Segundo a embaixada “não houve nenhuma medida das autoridades, até à presente data, determinando o encerramento da Pensão Madeira”. Informações veiculadas nas redes sociais alegavam uma inspecção da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e da Câmara Municipal de Lisboa àquele edifício, razão que teria motivado o fecho. Contudo, a ASAE, através do gabinete de comunicação, confirmou ao PÚBLICO não ter feito qualquer inspecção ao local. Na Câmara Municipal de Lisboa, o assessor de Ricardo Robles, vereador que tem a Educação, Saúde, Direitos Sociais e Cidadania na Câmara de Lisboa, também disse que estes departamentos não fizeram uma vistoria.

Manifestação marcada

Entretanto, em sequência do fecho da pensão foi marcada para dia 12, às 12h, uma manifestação em “prol dos doentes” em frente à embaixada de Cabo Verde, em Lisboa, pela "Ubuntu CV – uma missão além-fronteiras", que se apresenta com um grupo de cabo-verdianos espalhados pelos quatro cantos do mundo, organizados pela Internet, “procurando formas de solucionar as infinitas dificuldades" com que se deparam os "cabo-verdianos em situação de risco”.

Como disse recentemente ao PÚBLICO o embaixador de Cabo Verde, Eurico Monteiro, não existe protocolo formal com a pensão, mas a embaixada instala nesse local e em outras duas pensões em pleno centro de Lisboa (geridas pelo mesmo dono) cerca de 100 doentes, a um preço difícil de encontrar noutro lado: 8 euros por quarto, por dia. 

Face ao despejo, a embaixada diz que tem desenvolvido esforços junto das instituições públicas e de solidariedade social para solucionar o problema, como a Santa Casa da Misericórdia, a Fundação D. Pedro IV, a Câmara Municipal de Lisboa, a Casa da Alegria, o Centro Pedro Arrupe, entre outras. O preço do arrendamento em Lisboa por causa do mercado do turismo torna, porém, difícil encontrar alojamento a preços comportáveis, afirma.

E comenta: “A embaixada de Cabo Verde sempre alegou que não era sua opção manter os doentes em lugares como a Pensão Madeira, mas que não tinha outras alternativas, já que não pode pagar diárias de pensões de 25, 30 ou 35 euros para 400 pessoas e subsidiar a alimentação e os medicamentos. Cabo Verde é o único país dos PALOP que paga passagens, financia os medicamentos a 100% e atribui uma subvenção mensal.”

620 doentes de Cabo Verde em 2016

Portugal tem um protocolo de cooperação com os PALOP, assinado há décadas, em que dá assistência médica e hospitalar, envolvendo vários ministérios (Saúde, Negócios Estrangeiros e Administração Interna). Os países asseguram o transporte ou o alojamento dos doentes — mas isso nem sempre acontece. A grande percentagem vem de Cabo Verde e da Guiné-Bissau. Em 2016 o número de doentes ultrapassou largamente os mil  do plafond total acordado: chegaram 1735 pessoas para se tratarem. Dessas, 620 eram de Cabo Verde.

O orçamento de Cabo de Verde para estes doentes é de 5 milhões de euros. A subvenção por doente, ao abrigo da promoção social, é de quase 250 euros por mês, e serve para pagar alojamento e alimentação. Têm ainda assistência medicamentosa. Desde há uns meses os doentes das pensões recebem também almoço.  

O PÚBLICO tentou entrar em contacto com o proprietário da pensão mas sem sucesso. Uma doente que não quis ser identificada, queixou-se de não ter para onde ir com o despejo, de não conhecer Portugal e de não ter como procurar sítio para ficar.

A embaixada diz ter disponibilizado aos doentes “a concessão de um mês inteiro de subvenção para facilitar o realojamento de pessoas que pudessem arranjar outras alternativas, sem prejuízo do pagamento regular das mensalidades”. E "pretende financiar diárias de outras pensões que cobram preços superiores, enquanto se procuram alternativas mais sólidas e duradouras”. Em estudo está também a possibilidade de recorrer a arrendamentos de moradias, através de protocolos com associações – à imagem do que já existe. 

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