Em Guimarães, de pequenino se faz o Nicolino

As crianças da cidade berço podem hoje aceder mais facilmente aos rituais e aos significados das festas estudantis referenciadas pela primeira vez no século XVII, com um livro publicado no ano passado e a representação do número do Pinheiro. O antropólogo Jean Yves Durand considera as iniciativas positivas na óptica de uma eventual candidatura a Património Imaterial da Humanidade.

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Luis Efigénio / nFACTOS

A devoção dos estudantes vimaranenses à figura de S. Nicolau, bispo de Mira – hoje a cidade de Demre, na costa mediterrânica da Turquia – no século IV, que se tornou padroeiro de crianças, marinheiros e vendedores, estende-se, no mínimo, por mais de 300 anos. As Nicolinas, cuja edição deste ano terminou nesta quinta-feira, com o Baile, congregam os alunos matriculados nas escolas secundárias da cidade e muitos outros que já o foram, mas, no terreno, já há propostas para transmitir aos mais novos os rituais e o simbolismo associado a números como o Pinheiro, as Posses, e as Maçãzinhas.

Com mais de 30 páginas de ilustrações em relevo, da autoria de Raquel Costa, e de texto com narração atribuída a Hélder Rocha, estudante que declamou os Pregões de 1935 e 1936 – texto de teor satírico ou retórico, proclamado a 05 de Dezembro – e, na vida adulta, assumiu um papel de relevo no associativismo da cidade, o Manual (para um pequeno) Nicolino, da autoria de Paulo César Gonçalves e Gabriela Cunha, foi lançado no ano passado para servir de “primeira aproximação às festas”, numa linguagem, que, segundo o co-autor, é acessível e “aproximada ao que se utiliza todos os dias”, mas “nada infantilizada”. 

A obra, salientou o professor de Português, evoca cada um dos números da tradição, os lugares a eles associados e algumas das figuras marcantes da tradição, visando colmatar a ausência de literatura para as crianças, ao mesmo tempo que as procura tornar “mais cientes do que vão fazer” nas edições futuras das Nicolinas.

A recepção das crianças ao livro, destaca Gabriela Cunha, tem sido mais favorável do que o que esperava. A co-autora acredita que a obra pode ajudar a “perpetuar a tradição sem vícios, nem máculas”, de “forma informada e consciente” todos os momentos das Nicolinas, algo que, a seu ver, já se procura fazer nas escolas, mas com atenção centrada no Pinheiro, o número mais participado.

O acesso de todas as escolas do concelho ao livro, principalmente as das zonas mais periféricas, tem sido, no entanto, difícil, reconhece Paulo César Gonçalves. Para resolver o entrave, o autor equaciona a venda dos direitos de autor à Câmara Municipal de Guimarães, entidade que apoiou a impressão dos 2.000 exemplares da primeira edição, já esgotada – neste ano, foi lançada uma segunda, de 1.000. Com tal cedência, diz, a autarquia pode “fazer uma edição grande para a distribuir pelas escolas e a fazer chegar às crianças”.

A relação entre as crianças e as Nicolinas também se cimenta na rua, de caixa na mão, a criar o som que, depois, na noite de abertura das festas, a 29 de Novembro, se amplifica pelas ruas da cidade até ao momento em que o pinheiro é erguido junto à Igreja de S. Gualter. Neste ano, mais de duas mil crianças de vários jardins de infância do concelho reuniram-se para mais um “Pinheirinho”, afirmou ao PÚBLICO Carmo Gomes, educadora há 30 anos no jardim de infância do Lar de Santa Estefânia.

A instituição, lembrou, esteve na origem da iniciativa, em 2000, quando convidou elementos da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães (AAELG) e lá irem ensinar o toque do Pinheiro. A primeira edição contou com pouco mais de 100 alunos, todos eles do Lar de Santa Estefânia, mas, com o passar dos anos, cada vez mais instituições aderiram até que, no ano passado, foi preciso espalhar as instituições pelo Largo do Toural e pelo Largo Cónego José Maria Gomes (Câmara Municipal). O “Pinheirinho”, diz Carmo Gomes, levou uma nova geração, agora na Comissão Nicolina, a “entregar-se de corpo e alma” às festas, depois de um período em que “estavam um bocadinho a morrer”. A educadora referiu ainda que a instituição promove as festas entre as crianças, com trabalhos e idas aos outros números.

Iniciativas podem ser “vistas com bons olhos” pela UNESCO

As Nicolinas são, neste momento, objecto de um estudo da Universidade do Minho, com conclusão prevista para Junho de 2018, para avaliar a viabilidade de uma eventual candidatura a Património Imaterial da Humanidade, assunto discutido no meio político vimaranense desde 2006. O antropólogo Jean Yves Durand, responsável pelo trabalho científico, explicou que iniciativas como o Manual (para um pequeno) Nicolino e o “Pinheirinho” são, a curto prazo, elementos de “reforço da vitalidade das festas, que, neste momento, já é notável” e, por isso, seriam “vistas com bons olhos por parte da UNESCO”. O cientista lembrou, porém, que é impossível prever o futuro das Nicolinas daqui a 40 anos ou 50, pelo “grau de incerteza associado a manifestações culturais deste tipo”, demonstrado pela “massificação recente do Pinheiro”.

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