Tribunal obriga IPO a indemnizar e a reintegrar grávida

Instituto despedira farmacêutica apenas 18 dias depois de a ter contratado, alegando que desconhecia a sua gravidez e que as respectivas funções seriam exercidas numa unidade com riscos para a saúde.

Foto
Instituto alegou que o trabalho “não podia, sem risco (...), ser realizado por uma trabalhadora grávida” Paulo Pimenta

O Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto vai ser obrigado a reintegrar uma farmacêutica grávida que despedira, em Julho do ano passado, ao fim de 18 dias de trabalho. Alegando que a gravidez da recém-contratada não era “compatível com a preparação e manuseamento de produtos citotóxicos”, aquela instituição aproveitou o período experimental do respectivo contrato de trabalho para a dispensar. Agora, o tribunal determinou não só a sua reintegração mas o pagamento de uma indemnização de 2500 euros por danos morais, bem como de todos os salários que a farmacêutica deixou de auferir desde que foi dispensada.

“Fiquei muito satisfeita com a decisão, nomeadamente porque ficou provado que a atitude do IPO foi moralmente reprovável e revelou falta de boa-fé”, reagiu ao PÚBLICO a farmacêutica, cuja reintegração ainda não ocorreu porque o IPO poderá ainda recorrer da decisão de primeira instância.

Para os juízes do Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial do Porto, o despedimento provocou na farmacêutica “um sentimento de desgaste, nervosismo, ansiedade e receio pelo futuro”, quando esta deveria estar a “usufruir em plenitude da maternidade”.

Cláusula “manifestamente nula”.

O que pesou, porém, na ponderação do tribunal não foi a gravidez na altura do despedimento mas o facto de o IPO ter invocado a possibilidade de livre denúncia do contrato no período experimental, fazendo uso de uma cláusula que, no caso em concreto, era, além de “injustificada”, “manifestamente nula”.

Em causa estava o facto de o contrato a termo incerto ter sido assinado com uma profissional que, nos dois anos anteriores, já havia desempenhado aquelas funções, ao abrigo de um contrato de estágio, primeiro, e de um contrato de emprego-inserção, depois. Aquela técnica havia sido, de resto, “especificamente indicada como pessoa idónea e apta a desempenhar as funções pretendidas”, no procedimento interno de contratação de funcionários. O seu nome constava, aliás, do pedido de contratação dirigido ao ministério.

Quando foi chamada a assinar o contrato, no dia 4 de Julho de 2016, a farmacêutica estava grávida, “o que era notório, pois estava com 29 semanas e meia de gravidez”. O combinado era que ficasse a receber 1200 euros ilíquidos por 40 horas semanais de trabalho. Decorridos apenas 18 dias, porém, a farmacêutica foi confrontada com a denúncia do contrato, com base numa avaliação negativa da sua prestação. Esta avaliação terá sido feita pela subdirectora dos serviços farmacêuticos com quem nunca trabalhara directamente. Foi uma decisão que “excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé”, alegou a farmacêutica, que concluiu que a decisão só podia ter por base o facto de estar grávida.

Na sua versão, o IPO sustenta que dispensou a funcionária não pelo facto de estar grávida, mas porque aquele trabalho “não podia, sem risco e grave perigo, ser realizado por uma trabalhadora grávida”. O instituto alegou ainda que a farmacêutica procurou condicionar a vontade das suas colegas quando se apresentou para assinar o contrato em avançado estado de gravidez, “procurando, à revelia do conselho de administração, a aceitação para a condicionalidade que apresentava”. E porque as funções para as quais estava a ser contratada seriam desempenhadas na Unidade de Ensaios Clínicos, onde não podem “com segurança, trabalhar mulheres grávidas ou em idade fértil”, o IPO reserva-se “o estrito dever de evitar que existam ou possam existir riscos para a saúde da grávida e do feto e actuar mesmo quando a mulher interessada o não faça, substituindo-se a ela”.

Estava “notoriamente grávida”

Para o tribunal, porém, o facto de o conselho de administração do IPO desconhecer que a farmacêutica estava grávida “não é relevante”, até porque a autora estava “notoriamente grávida” quando assinou o contrato, tendo dado conta desse facto às suas superiores hierárquicas. Acresce que o Código do Trabalho, no artigo 17.º, a liberta de ter de comunicar previamente tal facto à entidade empregadora. Na presença de condicionalismos impostos pela natureza das funções, recaía sobre o IPO o ónus de indagar sobre o estado de gravidez da profissional, o que não aconteceu.

O tribunal deu, de resto, como provados vários exemplos de profissionais que se mantiveram em funções na unidade de ensaios clínicos, durante toda a gestação. Algumas, aliás, foram transferidas da unidade de quimioterapia, tida como a de maior risco para a saúde, para a unidade de ensaios clínicos, onde tais riscos estão minimizados. 

Sugerir correcção
Comentar