E se deixasse de ser proibido advogados falarem dos processos em público?

Bastonário lança polémica. Presidente do órgão máximo da deontologia dos advogados está frontalmente contra alteração das regras actuais.

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Guilherme Figueiredo, bastonário dos advogados LUSA/MANUEL DE ALMEIDA;Manuel Almeida

As declarações do bastonário caíram que nem uma bomba nalguns sectores da advocacia portuguesa. Guilherme Figueiredo defendeu que os advogados devem poder pronunciar-se publicamente sobre os processos judiciais que têm em mãos – algo que sempre foi proibido pelo estatuto que rege a classe, muito embora haja inúmeros profissionais a fazê-lo.

Em causa está o dever de reserva dos advogados, que assenta na ideia de que as questões processuais devem ser dirimidas dentro das salas de audiências e não tratadas cá fora, à porta dos tribunais, por via da prestação de declarações aos jornalistas. O estatuto em vigor apenas prevê que, em casos excepcionais, os advogados possam pedir autorização à Ordem para reagirem a declarações de terceiros, “de forma a prevenir ou remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos”.  

Numa entrevista à agência Lusa divulgada esta quarta-feira de manhã, Guilherme Figueiredo disse que, nesta matéria, o estatuto dos advogados "está desajustado", devendo ser flexibilizado. 

"O espaço público é um elemento fundamental na área da justiça. Defendo que o advogado do processo não pode descurar a defesa do seu cliente no espaço público, porque muitas vezes é importante para o cliente a defesa da honra e da dignidade", alegou. E acrescentou ainda que os advogados que devem ser punidos disciplinarmente são aqueles que falam dos processos dos colegas: "Há que haver bom senso, prudência, alargar o âmbito do deferimento de falar no espaço público. E há que ter maior capacidade sancionatória relativamente aos outros que não têm a ver com o processo e falam dele".

Presidente do conselho superior opõe-se

As reacções não se fizeram esperar. Pouco tempo depois o seu colega Menezes Leitão, que preside ao conselho superior da Ordem, a autoridade máxima em matéria de deontologia da classe, manifestava a sua indignação no Facebook. “Sou absolutamente contra a discussão pública pelos advogados dos processos que têm pendentes, a qual é expressamente proibida pelo artigo 93.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, salvo em casos excepcionais devidamente justificados”, declarava.

“Os processos devem ser discutidos serenamente nos tribunais, em igualdade de armas entre os advogados, e não na comunicação social, onde os advogados mais conhecidos ganham vantagem.” Nem todos concordaram com ele. O ex-presidente do conselho de deontologia do Porto, por exemplo, defende que a justiça se deve adaptar aos tempos modernos e que o dever de reserva permite que os arguidos sejam “sujeitos a veredicto público sem contraditório algum”.

A matéria não é pacífica nem sequer entre os presidentes dos conselhos de deontologia. Paulo Graça, que dirige o de Lisboa, vai dizendo que se irá reger pelo actual estatuto enquanto ele vigorar. Percebe-se que não achou piada à ideia, embora prefira não entrar por enquanto em polémicas. A sua colega de Coimbra, Maria José Vicente, usa da mesma discrição. “Vamos pedir uma reunião ao bastonário antes de tomarmos publicamente uma posição”, limita-se a dizer.

Equacionando os prós e os contras, o presidente do conselho de deontologia de Évora, Moreira Testa, chega a uma conclusão: “Não há nada pior do que uma regra que não é cumprida”, como sucede actualmente. “As coisas devem ser pelo menos discutidas”, alvitra.

“Tal como estão as coisas não me agradam”, diz por seu turno o seu homólogo do Porto, Vellozo Ferreira, para quem a Ordem devia ser “mais eficaz na punição” dos advogados que prevaricam. “O pior é o estatuto ser violado permanentemente”, observa este dirigente. A avançar no sentido defendido pelo bastonário, os advogados não o deviam fazer sozinhos, sob pena de se “criar um circo” à volta dos processos: “Deviam ser chamados à discussão o Ministério Público, os juízes e a comunicação social”.

O PÚBLICO tentou falar com Guilherme Figueiredo, mas sem sucesso.

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