Ainda é cedo para uma estátua a Mário Centeno

O desfecho da escolha não nos deve levar a acreditar que com Centeno no Eurogrupo estamos condenados a ser campeões.

Não houve bandeirinhas nas janelas e o Presidente da República não convocou nenhuma sessão solene para distribuir medalhas, mas a eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo foi um bálsamo para o sempre carente estado de ânimo nacional – e um esteróide anabolizante para o Governo aturdido por tantos tiros nos pés. Percebe-se a satisfação. Embora se desconheça a razão exacta de tanta euforia. Será porque num curto espaço de três anos Portugal teve uma saída limpa de um resgate difícil e tornou-se suficientemente credível para impor o seu ministro das Finanças à Europa? Ou o regozijo que por aí pulula tem por base a convicção de que a escolha é uma espécie de prémio ao ministro e ao Governo pelo seu desempenho na recuperação da economia e no controlo das finanças públicas? Ou, terceira via, Mário Centeno candidatou-se ao cargo com um suficiente menos e, ainda assim, tinha a melhor nota do concurso?

A vitória do ministro fez-se com uma salada que tem um pouco de todos estes ingredientes. Mário Centeno é bom. A sua simpatia natural ajuda-o. A sua serenidade ajusta-se aos tempos descontraídos que o Governo decretou e o Presidente-Rei promulgou. As suas políticas colaram-se bem aos ventos da conjuntura. As contas públicas estão como nunca estiveram e hoje Mário Centeno é o ministro das Finanças mais querido desde os tempos de (pelo menos) Guilherme de Oliveira Martins. Algumas vozes mais esquinadas dirão que a sua eleição se deve à falta de concorrência de tubarões ou ao alinhamento das estrelas que reduziu o concurso a quatro ministros de governo socialistas. Não é verdade. Centeno foi escolhido porque é o rosto de um país que há quatro anos era um patinho feio, na feliz analogia do Presidente, e que agora é visto como um exemplo de resiliência, rigor e determinação no cumprimento das regras europeias. A sua eleição é um prémio que atesta o reconhecimento da zona euro ao seu trabalho.

Mas daí a falar da sua escolha para o Eurogrupo como “uma distinção sem paralelo” nos anais da História pátria é um absurdo que tende a fazer do ministro uma superestrela que não é. Haja alguma calma e ainda mais espírito crítico: esse prémio não nos deve levar a acreditar que o ministro está para os défices como Cristiano Ronaldo está para os lances no coração da área. Portugal está bem, está até muito melhor do que seria suposto face à herança destrutiva da troika e às incertezas de uma solução de Governo onde questões essenciais como o Programa de Estabilidade suscitam ferozes guerras ideológicas. E dizer que esse estado positivo depende apenas do resto do mundo ou da sorte é não só injusto como intelectualmente deplorável. Mas fiquemos por aqui. Nem Centeno nem António Costa merecem medalhas por terem passado no teste do pós-troika por unanimidade e aclamação. Já não somos o país de preguiçosos do sul, mas ainda não somos máquinas de produzir riqueza do Norte (de certa maneira, ainda bem…).

Olhemos para a Europa. De acordo com as previsões de Outono da Comissão Europeia para o ano em curso, dos 27 Estados Membros, só seis vão ter registos piores dos que se projectam para o PIB nacional – ou, por outras palavras, há 20 países a crescer mais. Vale a pena olhar para os países que ficarão abaixo do crescimento de 2.6% do PIB previsto por Bruxelas para Portugal. Nesse grupo estão economias muito mais maduras e consolidadas, onde a potencialidade de crescimento é naturalmente mais baixa. Casos da Dinamarca, da Bélgica, da Alemanha, da França e da Itália – falta neste leque a Grécia, que continua afundada na sua crise interminável. A quase generalidade dos países que estão num nível de competitividade mais próximo do nosso está a andar muito mais depressa. Caso da Espanha, que crescerá este ano 3.5%. Caso da Eslovénia (4.7%), da República Checa (4.3%), da Polónia (4.2%) ou a Estónia (4.4%).

Para agravar a comparação, todos estes países têm contas públicas mais estabilizadas. Não tanto ao nível do défice, onde Portugal dispõe hoje de uma situação muito positiva em termos europeus, mas principalmente ao nível da dívida. Ver países como a Bulgária (com uma dívida equivalente a 37.8% do PIB) ou a Estónia (uns “escandalosos” 9.2% do PIB) e compará-la com a dívida portuguesa tem o demérito de nos deprimir e a vantagem de nos lembrar a distância que ainda é preciso percorrer até ao limiar da estabilidade. Erguer uma estátua a Centeno ou a António Costa é desistir de acreditar que Portugal pode ficar ainda muito melhor.

Mas não é só por isso que o mérito de Mário Centeno e do Governo deve ser temperado. Ainda é cedo para esquecermos, por exemplo, as trapalhadas da Caixa Geral de Depósitos  – Marcelo Rebelo de Sousa chegou a dizer que aceitava a sua continuidade nas Finanças para garantir o “estrito interesse nacional”, lembram-se? Muitos dos pressupostos do seu programa económico saíram errados – o crescimento deste ano deve-se mais às exportações (incluindo o turismo) e ao investimento do que ao consumo privado supostamente estimulado pela devolução de rendimentos perdidos. Recorde-se que o cumprimento do défice de 2016 se fez à custa de um gigantesco programa de cativações. E repare-se que o diferimento de despesas rígidas com salários no Estado para 2019 e 2020 está longe de merecer consensos entre os economistas.

Talvez seja por isso que o falcão que o antecedeu no Eurogrupo, Jeroem Dijsselbleoem, ande por aí a deixar remoques. “Cuidado com a complacência. Vejo demasiados a políticos a relaxar”, disse. Talvez seja esse também o motivo que leva o Presidente-Rei a lembrar que “a execução de 2018 e o Orçamento para 2019 têm de corresponder àquilo que é a exigência de alguém que dá o exemplo no Eurogrupo".  

Ter um ministro português a liderar uma instância europeia é bom, é um prémio, é um certificado de eficiência à política do Governo que tanto irrita a extrema-esquerda como deixa a direita patética, desarmada e sem palavras. É prova de que o país está numa boa fase, é sintoma de que recuperou a credibilidade externa e pode olhar para a frente com optimismo. Mas o desfecho da escolha não nos deve levar a acreditar, como aconteceu no malfadado tempo da partida de Durão Barroso para a Comissão Europeia, que com um Centeno no Eurogrupo estamos condenados a ser campeões. É momento de fazer a vénia ao ministro e ao Governo; mas não é ainda momento para lhe erigir a estátua de bronze que o consagraria como Messias deste país de futuro incerto.

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