Eurogrupo: o modo e o tempo (das decisões europeias)

A eleição de Centeno é seguramente boa para Portugal. Permitirá sempre alguma margem de influência e traz efeitos reputacionais positivos para o país.

1. Muitas vezes, desde que em Portugal se fala sobre a possibilidade de o ministro das Finanças português presidir ao Eurogrupo – e até há bem pouco tempo, insisto, só em Portugal se falava disso –, que me perguntam se considero isso bom ou mau para Portugal e para a zona euro. Sempre respondi da mesma maneira. O ideal seria que o presidente do Eurogrupo não tivesse de acumular o cargo com a titularidade do Ministério das Finanças. Aí, ficaria com as mãos livres para influenciar a agenda das reuniões, sem suspeição de defesa encapotada de algum interesse nacional. A margem de manobra seria inegavelmente maior. Trata-se, porém, de um cenário afastado, porque há uma convenção tácita de que, até à reforma da zona euro, o presidente será sempre um ministro das Finanças em funções. Foi isso que excluiu uma recondução de Dijsselbloem e que abriu a porta a Mário Centeno, vedando-a ao italiano Padouan. Este cenário era o ideal, mas acabaria por condenar uma candidatura portuguesa.

Não podendo haver essa separação, a eleição de Centeno é seguramente boa para Portugal. Implicará alguma limitação do espaço de defesa dos interesses portugueses, porque isso é uma inerência destas funções de coordenação e arbitragem. Mas permitirá sempre alguma margem de influência e traz efeitos reputacionais positivos para o país. Ela é, porém, especialmente importante por decorrer em plena discussão da reforma da zona euro. Aí, haverá muitas questões de desenho institucional e funcional, em que, pela natureza da sua missão, o presidente do Eurogrupo poderá ter alguma influência. E terá, no mínimo, um acesso franqueado a informação privilegiada durante o processo negocial, o que sempre dará a Portugal alguma vantagem.

2. Tendo em conta a actual distribuição das responsabilidades por partidos políticos europeus, é evidente que o cargo deveria continuar em mãos de um socialista. Nesta altura, o PPE detém a presidência do Conselho, da Comissão e do Parlamento. E o PSE detém, por escolha sua (a alternativa era a presidência do Conselho), a Alta Representante para a Política Externa. De resto, e contra uma corrente maioritária no PPE, na altura das eleições para a presidência do Parlamento, fui favorável a um apoio a uma candidatura socialista. E isto, por uma razão de equilíbrio político que traduza a correlação de forças realmente existente. Na imprensa portuguesa, tem sido muito glosado que os socialistas só têm 4 chefes de governo dos 19 da zona euro. Isto não contando com independentes franceses (Macron vem da família socialista) e lituanos (apoiados por socialistas). Mas o PPE também tem apenas 5 chefes de governo. Na verdade, os dois maiores partidos, os partidos do centro, têm perdido sistematicamente poder e influência nas instituições europeias. E quando se fala na importância dos liberais, que têm, entre os 19, 6 primeiros-ministros, ninguém diz que, praticamente, todos eles chefiam coligações de três ou mais partidos e são, por isso, líderes fracos, que têm de negociar internamente o voto do seu país. Se se olhar para os três mais importantes – Holanda, Bélgica, Finlândia –, falamos de coligações com 4 partidos e maiorias muito frágeis. Em resumo, nenhuma simplificação é permitida: o mapa político-partidário do final de 2017 nada tem que ver com o mapa de 2012 ou até de 2014.

3. Falando-se de uma candidatura socialista, ela só poderia ser maltesa, italiana, eslovaca ou portuguesa. Malta estava fora, não apenas pela sua exígua dimensão, mas também porque o Governo se debate com um grave escândalo ligado aos Panama Papers. Já a Eslováquia era a grande ameaça. O seu registo orçamental e financeiro dava garantias aos Estados mais ortodoxos, os países de leste têm um défice de cargos na União e a Eslováquia é o único país de Visegrado que faz parte da zona euro. Era um argumento importante para atrair e aproximar as cada vez mais reticentes Polónia e Hungria e, bem assim, República Checa – o que, diga-se, de passagem, estava em linha com o discurso de Juncker de acelerar a expansão do euro. Mas Kasimir, ao contrário de Centeno, surgiu cedo, dando lastro e tempo para minar a sua candidatura. Lembre-se que, a dada altura, o que mostra que Centeno não avançou tão cedo quanto se diz, António Costa veio apoiar De Guindos (do PPE) para a liderança do Eurogrupo. No que fez muito bem e, aliás, foi entretanto retribuído: a coordenação entre os governos espanhol e português, qualquer que seja a sua cor, tem sempre sido altamente eficaz.

Na desmontagem paulatina de Kasimir, o trabalho foi muito feito pelos socialistas europeus, que, verdade seja dita, têm com Robert Fico, o primeiro-ministro eslovaco, um problema paralelo (embora menos expressivo) ao que o PPE tem com o húngaro Viktor Órban. Também nas dimensões do Estado de Direito, o seu governo deixa bastante a desejar. Sobrava, para a diplomacia portuguesa – sempre atenta e impecável –, a diminuição da candidatura italiana. E aqui, trabalhou-se nas últimas semanas, para não dizer, nos últimos dias, em três argumentos. Por um lado, a Itália vai a eleições na Primavera e nada garante que Padouan continue ministro das Finanças, o que quebraria a convenção da acumulação de cargos. Por outro, detêm já 3 cargos relevantes: Draghi no BCE, Tajani no PE, Mogherini como Alta Representante. Se bem que, contrapunham os italianos, todos estes mandatos terminem em 2019 e o do Eurogrupo se prolongue até meio de 2020. Finalmente, os riscos bancários italianos permanecem e talvez não fosse curial ter uma liderança económico-financeira transalpina. Os italianos objectavam, já em desespero de causa, que Centeno também só será ministro até Setembro de 2019, mas, nessa altura, pode já ter avançado a reforma da zona euro e o seu mandato vir a cessar por haver um novo estatuto para o Eurogrupo (dando, por exemplo, a presidência a um vice-presidente da Comissão). Enfim, uma missão muito árdua, que foi bem gerida.

Sim

Belmiro de Azevedo. Já todos os elogios foram feitos. Recordo-o, mais que tudo, como alguém que fazia pensar, que nos punha a pensar. Um gerador de talento e de inteligência; um criador criativo.

Não

PS na Europa. Quinta, votou-se o orçamento da União Europeia para 2018. No Conselho, o Governo Costa votou a favor; no Parlamento, o PS absteve-se. Uma duplicidade que não ajuda Centeno.

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