As alturas trocadas

Como é que o Inverno pode levantar a moral gastronómica se insistimos em comer as mesmas coisas, da mesma maneira, durante o ano inteiro?

Os percebes já estão gordinhos, a caminhar para o esplendor de Janeiro e de 2018. Associo sempre as laranjas aos percebes porque têm a mesma época e são ambos consolações insólitas do Inverno.

É no Verão que comemos mais percebes e bebemos mais sumo de laranja mas se tivéssemos juizo deixávamos crescer os percebes - eles viveriam vários anos, se fizéssemos a fineza de permiti-lo - e fartávamo-nos de laranjas no Inverno, quando elas ainda estão frescas, com os chapelinhos de folhas verdes.

Há uma razão para as benesses do Outono (as amêndoas, as nozes, as avelãs, as castanhas) e para as contrapartidas do Inverno. Dantes excitava-me que estivesse a aproximar-se o tempo dos grelos de nabo, para comer em grandes travessas fumegantes, com uma pata insignificante de polvo, só para compor o ramalhete.

Agora há bróculos, couves, espinafres e grelos todo o ano, para nos podermos fartar à vontade de todos eles. Não prestam nem amargam mas são verdes de cor e fazem bem, que são as únicas duas coisas que hoje se pedem das verduras.

Para disfarçar a insipidez os restaurantes apresentam-nos já carregados de alho e de azeite de fritura: uma manobra a que chamam "saltear".

Como é que o Inverno pode levantar a moral gastronómica se insistimos em comer as mesmas coisas, da mesma maneira, durante o ano inteiro? Como me informou um jovem agricultor no domingo passado: "Agora já não há épocas - isso foi no tempo da outra senhora, é conversa dos velhadas!"

Ainda bem que os percebes ainda não sabem.

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