A videira dos Amigos do Minho não volta a dar uva

Colectividade emblemática da Mouraria sai da sua sede histórica no fim do ano. Câmara de Lisboa diz estar empenhada em encontrar solução para esta e outras situações semelhantes.

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Quando o ano acabar, a colectividade com 67 anos sai do número 244 da Rua do Benformoso Daniel Rocha

Nesta rua cheira a caril a qualquer hora. Quando a clientela escasseia, comerciantes e cozinheiros põem-se à ombreira das portas a ver quem passa e como gira o mundo neste início de inverno. Gira como sempre, está talvez mais barulhento por causa das obras em inúmeros edifícios em redor. Um deles, fachada de azulejos e varanda larga, é onde pára o Grupo Excursionista e Recreativo Os Amigos do Minho até ao fim deste mês.

Quando o ano acabar, a colectividade com 67 anos sai do número 244 desta Rua do Benformoso e conta encontrar poiso que a queira. “Entra amigo se és amigo; o pão que temos aqui, neste pequeno abrigo, também chega para ti”. A mensagem está pendurada à entrada de uma das salas dos Amigos do Minho no segundo andar. O prédio foi vendido a um investidor, que depois o voltou a vender. O novo senhorio está a fazer obras no rés-do-chão, o primeiro – com salão de baile e pequeno palco – já está praticamente vazio, sobra o segundo e um grande terraço ao grupo excursionista.

Os membros da direcção do clube mostram simpatia, mas não querem falar mais. Puseram-se de acordo com o senhorio, saem no fim do ano, fim de conversa. Esperam agora que a Câmara Municipal de Lisboa os ajude a continuar actividade noutro local. O vereador que ficou com o pelouro das colectividades no novo executivo é Ricardo Robles, do Bloco de Esquerda. “Estamos a analisar várias hipóteses possíveis”, diz um assessor, indicando que a câmara não quer tratar este caso individualmente, mas em conjunto com outros. “Vamos propor uma solução concreta e para toda a gente”, acrescenta a mesma fonte.

Por toda a cidade se encontram clubes de bairro em dificuldades, alguns deles têm de deixar brevemente as sedes que ocupam há décadas. É o caso da Associação Recreativa Leais Amigos, em São Vicente, a quem já tinha sido prometido um novo espaço – até que ele foi arrendado a outro clube que também teve de sair das suas instalações históricas em Alfama: o Lusitano. Em situação idêntica está o Ginásio do Alto do Pina, que organiza a marcha com o mesmo nome e tem os dias contados nas instalações da Rua Barão de Sabrosa, na Penha de França. Há outros casos semelhantes e é para todos eles, explica o assessor de Robles, que a câmara quer trabalhar.

Por ora, e em passo acelerado para o fim do ano, a casa dos Amigos do Minho continua um corrupio de gente. Durante toda a tarde ali se juntam reformados a jogar sueca e a conviver enquanto a televisão fala sozinha. Aproximando-se a noite, dispõem-se mesas e bancos corridos para receber os muitos grupos que acorrem a jantar. O espaço é muito frequentado por estudantes, activistas políticos e sociais, pessoas ligadas à cultura.

O grande terraço, coberto por uma videira enorme, fica nas traseiras, no topo de umas escadas de ferro. Dali vêem-se os telhados do casario mais próximo. Já anda um operário nas mansardas do número 244, que o grupo excursionista abandonará em breve, a fazer obras.

Lá em baixo, ao lado da sala principal, uma porta discreta conduz a uma divisão mais solene, onde quase tudo é reminiscência de uma Lisboa em vias de extinção. Há uma duvidosa estatueta de um pombo (“recordação da Curia”), velhos copos de cerveja, um presépio que parece estar montado o ano inteiro, algumas taças, quadros com paisagens alpinas, fotografias institucionais de aspecto antigo, um CD “Saudades de Portugal”, o quadro de geminação com a Confraria Brasonada das Almoçaradas…

O grupo dos Amigos do Minho cumpre 67 anos de vida na próxima sexta-feira. Será o último aniversário comemorado neste prédio, onde em 1923 foi criada a Casa do Minho em Lisboa, que actualmente mantém actividade em Telheiras. Só falta saber onde vai comemorar o próximo.

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