Mário Centeno no ninho dos falcões

É uma má notícia para a esquerda do PS, sem dúvida, mas, em última análise, é também uma má notícia para o PSD e para o CDS.

A escolha de Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo é uma grande vitória para António Costa, que andava a precisar de boas notícias como de pão para a boca. É também uma vitória para Portugal, não tanto pelo prestígio do cargo – a presidência da Comissão Europeia também era incrível e não consta que Durão Barroso tenha ajudado grande coisa –, mas porque é uma garantia de respeito pelas regras europeias e de compromisso com as exigências da Eurozona. Olhando para o Orçamento do Estado para 2018 e para os apoiantes cada vez mais irrequietos do governo, este não é um pormenor despiciendo.   

Marcelo chamou-lhe “um preço de exigência acrescida”, afirmando que o cargo exige grande responsabilidade financeira, sem espaços para “descuidos” nem “aventuras”, pois não cabe na cabeça de ninguém o presidente do Eurogrupo andar a incumprir défices enquanto prega as boas práticas aos outros países. O mínimo que se lhe exige é que dê o exemplo. Quando nos lembramos que há apenas cinco anos Pedro Nuno Santos aconselhava o país a recorrer à “bomba atómica” – ou seja, a renegociar a dívida do Estado –, porque tal decisão iria pôr as “pernas dos banqueiros alemães a tremer”, percebemos que se percorreu um longo caminho até chegar aqui. Centeno foi agora eleito com o apoio da Alemanha (e, imagino eu, dos banqueiros alemães), sucedendo ao senhor Dijsselbloem, que ainda em Março deste ano andava por aí a criticar os países que primeiro gastam “todo o dinheiro em copos e mulheres” e depois correm a “pedir ajuda”. Na altura, Portugal chegou a pedir o afastamento de Dijsselbloem da presidência do Eurogrupo. Agora são todos amigos.

Esta real politik demonstra alguma lucidez do governo de António Costa na gestão das relações europeias. A verdade é que Portugal não deixou de ser o bom aluno, e é a todos os títulos impressionante que a pomba Centeno, que iria trazer o diabo, acabe a presidir ao ninho dos falcões. Quando, em Maio, Wolfgang Schäuble apelidou Mário Centeno de “Ronaldo do Ecofin”, não se percebeu bem se ele estava a falar a sério ou a gozar. Pelos vistos, estava a falar a sério. A técnica de Costa & Centeno (C&C) de recirculação da austeridade, expulsando-a pela porta da frente para depois a reintroduzir pela porta de trás, deve ter impressionado muito a Europa. Se os contribuintes portugueses continuam a ser espremidos mas parecem bem mais satisfeitos, não admira que a fórmula entusiasme os ministros das Finanças europeus. How do you do it, Mario? 

Claro que podemos sempre ser cínicos e afirmar que Centeno ganhou tanta experiência a engolir sapos no governo que agora é só continuar a engolir sapos no Eurogrupo. Mas eu prefiro ver esta eleição como um ponto de viragem à direita do actual executivo: num momento em que Bloco de Esquerda e PCP se encarniçam nas críticas ao governo, a dupla C&C deixa bem claro que jamais abdicará do cumprimento das regras europeias (ainda que da forma mais aldrabada possível, como se tem visto pela performance do défice estrutural), consciente de que o país não tem qualquer futuro fora do euro. É uma má notícia para a esquerda do PS, sem dúvida, mas, em última análise, é também uma má notícia para o PSD e para o CDS: se até a Europa põe Centeno a presidir ao Eurogrupo, continuar a incidir o discurso político exclusivamente nas metas do défice é puro e simples suicídio. Falar só de finanças já não chega, ainda que após uma década nisto ninguém pareça saber falar de outra coisa.

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