Cheguei à reforma! And so what?

A importância dos sistemas complementares privados de pensões (individuais e ocupacionais, de empesa) aumentou nas últimas décadas em resultado das dificuldades de financiamento dos tradicionais sistemas públicos financiados com base no mecanismo de repartição e da redução da sua generosidade. No entanto, a grande maioria da atenção nesta matéria foi sendo dada à fase de acumulação de poupança para a reforma, muitas vezes tentando apenas tirar partido de benefícios fiscais,  com pouca ou nenhuma atenção dada à fase de pagamento das pensões. Apesar do aumento da idade estatutária de reforma e do ligeiro aumento da correspondente idade efectiva, a verdade é que hoje em dia é expectável que um pensionista possa usufruir pelo menos mais entre 20 a 25 anos de vida, de preferência com saúde, após a reforma. Trata-se, por isso, de um horizonte temporal demasiado longo para que a planificação e gestão do património acumulado possa ser negligenciada.

A procura da modalidade de pagamento mais apropriada para esta fase do ciclo de vida deve ter em conta uma série de particularidades e preferências individuais e a natureza distinta de muitos dos riscos enfrentados pelos pensionistas. Mas quais são os principais riscos que um pensionista deve gerir após a reforma? Três tipos de riscos emergem naturalmente (Bravo e Holzmann, 2014). Em primeiro lugar, os riscos biométricos, nomeadamente o risco de não saber com exactidão a duração da vida remanescente (risco de longevidade), o risco de despesas médicas elevadas inesperadas decorrentes de problemas de saúde naturais com a idade, e a necessidade e o custo associado a cuidados (de saúde e outros) decorrentes da dependência, em particular nas idades muito avançadas. Em segundo lugar, riscos de investimento, ou seja, riscos relacionados com a natureza incerta da rentabilidade que ainda será possível obter aplicando as poupanças em investimentos reais ou financeiros, riscos de que os fundos de pensões, as seguradoras, os bancos e outras entidades gestoras ou veículos não honrem os seus compromissos para com os aforradores (risco de crédito), ou ainda as eventuais menos-valias que resultem da necessidade de converter um activo em moeda líquida para fazer a despesas correntes (risco de liquidez). Por fim, e não menos importante, o risco de inflação, ou seja, o risco de que a subida dos preços não seja acompanhada pela actualização dos rendimentos na reforma (indexação das pensões por exemplo), retirando assim poder de compra à poupança acumulada.

As principais opções de desacumulação da poupança e de pagamento na reforma enfrentam estes riscos de forma distinta. A opção de receber todo o capital acumulado durante a vida activa de uma só vez (lump sum),  gerindo depois de forma casuística o montante a despender mensalmente oferece flexibilidade na gestão do património acumulado e liquidez no financiamento do consumo e das actividades de lazer (viagens, hobbies, etc..), na amortização de eventuais dívidas existentes e na gestão das heranças a deixar aos descendentes, mas não protege contra o risco de longevidade, i.e., contra a possibilidade de se esgotar todo o património acumulado em vida, obrigando o indivíduo a recorrer a apoios familiares, apoios sociais ou ao assistencialismo. Expõe ainda o pensionista a riscos significativos de investimento e de inflação, obriga à manutenção de uma disciplina financeira forte e exige níveis elevados de literacia financeira.

A opção pela conversão do capital numa renda vitalícia, a solução financeira mais próxima da figura de pensão no sentido de fluxo regular e estável de rendimento durante toda a vida de reformado, transfere os riscos de longevidade e de investimento para uma seguradora (ou annuity provider) e gera ganhos associados à mutualização dos riscos de mortalidade. Não proporciona, contudo, flexibilidade e liquidez na gestão das poupanças acumuladas, não permite fazer face a despesas inesperadas com saúde ou dependência e sujeita o pensionista aos riscos de crédito decorrente do eventual incumprimento da seguradora. Acresce que em resultado do actual ambiente de taxas de juro ultra-baixas, da longevidade crescente e incerta da população e das alterações nos quadros regulatórios do sector segurador (Solvência II) a oferta de rendas vitalícias escasseia e o seu custo de aquisição pode ser muito elevado e pouco competitivo em relação a outras soluções financeiras.

Uma solução intermédia entre um lump sum e a conversão total da poupança em renda vitalícia pode passar pela definição de levantamentos programados, estruturados de forma a atender às necessidades financeiras regulares mas oferecendo a liquidez e a flexibilidade associadas à manutenção da propriedade total sobre o património (real ou financeiro) individual. Nesta modalidade, ainda muito desconhecida no nosso país, é necessário definir regras adequadas de levantamentos de forma a minimizar o risco de longevidade, o risco de inflação e os riscos de investimento que persistem. Hoje em dia, é possível encontrar em muitos países soluções financeiras que combinam as três modalidades anteriores e procuram tirar partido das principais vantagens que cada uma oferece. Já é possível, por exemplo, comprar uma renda vitalícia que combine um fluxo regular de rendimento para pagar as despesas de consumo mas que proteja igualmente em caso de problemas de saúde ou de dependência.

Para finalizar, em muitos casos os pensionistas acumularam património significativo mas sob a forma de um imóvel, acumularam poupança sob a forma de «cimento e tijolos» e não depósitos, PPR's ou outros instrumentos financeiros. Nesses casos, é preciso encontrar soluções que monetarizem os activos reais e permitam fazer face às despesas de consumo. A opção pelas denominadas hipotecas inversas (reverse mortgages) deve constituir-se, neste quadro, como uma opção viável. Na sua forma mais comum, as hipotecas inversas são contratos financeiros através dos quais é possível converter em dinheiro o valor patrimonial que representa a propriedade de uma casa, sem perder a sua posse e usufruto em vida, servindo o imóvel como garantia do empréstimo contraído. Em suma, a crescente longevidade dos pensionistas exige que se preste mais atenção às soluções financeiras dedicadas às suas necessidades específicas e não a oferta de produtos indiferenciados destinados ao comum dos cidadãos. 

 

Referências

Bravo, J. M., Holzmann, R. (2014). The Pay-out Phase of Funded Pensions Plans: Risks and Payment Options. Foro de Expertos del Instituto de Pensiones BBVA, June.

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