Oposição timorense quer destituir presidente do Parlamento

Já a Fretilin acusa a oposição de criar instabilidade com ambição de poder.

Foto
Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin e primeiro-ministro LUSA/NUNO VEIGA

A oposição maioritária timorense pediu nesta segunda-feira a destituição do presidente do Parlamento Nacional, que acusam de "injustificável incapacidade de gestão, de obstaculizar" a instituição e de procurar uma crise institucional para forçar eleições antecipadas.

"O presidente do Parlamento Nacional tem obstaculizado o normal funcionamento deste órgão de soberania de forma a criar as condições necessárias para o surgimento de uma grave crise institucional", refere o texto a que a Lusa teve acesso.

Essa acção, considera, pretende levar o Presidente de Timor-Leste "ao exercício do poder de dissolução do Parlamento Nacional e possibilitar a realização antecipada de eleições legislativas que apenas são desejadas pelo VII Governo constitucional e pelos partidos políticos que o apoiam e que em nada servem o superior interesse nacional".

Na proposta, a oposição diz ainda que Aniceto Guterres Lopes não defendeu "a dignidade" do Parlamento, mantendo uma "postura de inacção" ao não "denunciar ou repudiar" declarações de membros do Governo.

Em concreto, a oposição aponta o que diz serem "insultos" do primeiro-ministro, Mari Alkatiri, que se referiu a deputados como "crianças malcriadas", e a comentários do ministro da Defesa e Segurança, José Somotxo.

Segundo a oposição, o presidente do Parlamento "relevou uma injustificável incapacidade de gestão e de controlo dos serviços administrativos" e recursos humanos parlamentares.

O texto com a data desta segunda-feira, mas que foi apresentado à presidência do Parlamento Nacional na sexta-feira, está assinado por 12 dos 35 deputados das três forças da oposição, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), Partido Libertação Popular (PLP) e Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO).

No documento de duas páginas, a oposição critica igualmente o presidente do Parlamento que "não logrou convencer" o Presidente timorense a "rever e alterar" o seu "exercício extemporâneo" de um veto político à Lei do Poder Local e Descentralização Administrativa e à Lei Eleitoral Municipal.

Para a oposição isso mostra "uma inequívoca incapacidade na defesa da competência legislativa do Parlamento Nacional".

A oposição acusa Aniceto Lopes de violar as regras regimentais e de violar o direito de acesso do Parlamento Nacional a informação necessária para uma deliberação consciente por ter admitido a tramitação da proposta de orçamento rectificativo quando faltava uma adequada "exposição de motivos".

A oposição apresentou no passado dia 20 de Novembro uma moção de censura ao Governo e um recurso contra a decisão de tramitação do orçamento, textos cujo debate em plenário não foi ainda marcado.

A oposição diz que isso mostra que o presidente "incumpriu o dever de imparcialidade a que está sujeito", não tendo, ao contrário das garantias que deu, convocado até 1 de Dezembro uma conferência de líderes das bancadas para agendar o debate desses dois documentos.

Aniceto Guterres, que era líder da bancada da Fretilin, foi eleito para a presidência do Parlamento pela margem mínima de um voto - 33 contra 32 - numa altura em que ainda decorriam negociações para a formação do Governo. Esse voto decorreu dois dias depois de a Fretilin ter assinado um acordo de entendimento com o PD e com o KHUNTO para a formação de um Governo de coligação. Na recta final das negociações, o KHUNTO abandonou o acordo e passou para a oposição, que ficou assim a controlar a maioria dos lugares do Parlamento (35 de 65).

Já a Fretilin acusa a oposição de estar a criar instabilidade no país, afectando directamente a economia, actuando "cegamente" por "ambição de poder" e sem sentido de Estado.

"A oposição está a contribuir para a instabilidade do país. A economia do país depende quase unicamente do Orçamento do Estado e isto influencia a situação económica e as condições de vida da população", disse à Lusa Francisco Branco, chefe da bancada da Fretilin.

"A oposição está cegamente a tomar decisões que mostram um golpe ao Governo e um assalto ao poder. Não tem outro nome porque não é racional. É uma tomada de decisões sem sentido nenhum, com ambição de poder", afirmou. Francisco Branco rejeitou que o uso da palavra "golpe" seja exagerado e afirmou que isso ficou demonstrado "pela prática" das últimas semanas.

O chumbo "sem ler" do programa do Governo, a moção de censura ao executivo, o pedido de destituição do presidente do Parlamento Nacional mostram que a oposição, liderada pelo anterior partido do Governo, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), "não quer ver" as contas públicas debatidas, disse Branco.

"Estão com receio de quê? Que o Orçamento do Estado seja debatido e fique claro para o povo o que fizeram nos últimos 10 anos? Estão cegos de atingir o poder", afirmou.

Ainda que não tenha formalmente integrado o VI Governo, a Fretilin "emprestou" alguns militantes para ocupar cargos no executivo, entre eles o próprio primeiro-ministro, Rui Araújo, e apoiou, por incidência parlamentar, os últimos dois Governos.

"Construímos um ambiente que deveria ser considerado e mantido. A Fretilin mostrou uma postura cooperativa para manter a estabilidade do Governo até ao fim do mandato. A oposição deveria fazer o mesmo neste momento, contribuindo para a paz e estabilidade, criando uma boa cultura para deixar para as novas gerações", afirmou.

Branco considerou que é preciso uma solução "rápida" e sublinhou caber ao Presidente timorense "analisar a situação do país e tomar decisões", havendo "alternativas" em que o chefe de Estado pode usar "a sua influência de magistratura" para juntar os líderes históricos.

"A mim preocupa-me quando estamos numa transição geracional, em que os líderes mais antigos deviam dar exemplo de cultura política, de ética, não estamos a ver nada. E isto preocupa-nos a nós e à sociedade e à geração mais nova do país", considerou.

O político questionou em particular a ausência do presidente do segundo partido (CNRT), Xanana Gusmão, que está fora de Timor-Leste há quase três meses. "Está na diáspora e isto não tem razão de ser. Nós temos que mostrar ao povo, que tem a soberania na mão e nos deu o poder, que um partido ganhou, que devemos saber perder", afirmou.

"Não é só saber ganhar, mas também saber perder. Isto é a característica de uma liderança que o país precisa agora e para o futuro. Com sentido de Estado e curvado perante os resultados das eleições", disse.

Sobre as críticas da oposição à acção do presidente do Parlamento Nacional - era o antigo chefe da bancada -, Branco sustentou que as suas acções respeitam as "normas e práticas do passado", enquanto se paralisavam as outras actividades parlamentares quando se debate o orçamento do Estado.

"Foi com base nessas normas que o presidente tomou a decisão de não agendar os pedidos da oposição. Só depois no fim quando tudo estiver resolvido quanto ao orçamento rectificativo, então o presidente terá oportunidade de convocar os líderes das bancadas e agendar esses pedidos todos", afirmou. "Esta casa do povo está a ser bloqueada pela oposição. Uma tentativa de paralisar o funcionamento normal dos serviços da casa", reiterou.

A situação política foi o tema de uma reunião alargada do Comité Central da Fretilin, no fim de semana, em que participaram cerca de 300 pessoas, incluindo as estruturas nacionais e regionais, deputados, membros do Governo e representantes das organizações do partido.

O partido considerou que a oposição está a tentar criar "uma crise institucional para permitir um assalto ao poder e um golpe ao Governo eleito pelo povo", como referiu em comunicado.

"Os partidos da oposição encontram-se desde o primeiro momento no Parlamento Nacional apenas focados em rejeitar todas as iniciativas, a negar qualquer discussão construtiva, e disposta somente a erguer o voto contra todas as sugestões ou propostas mesmo antes delas serem apresentadas para discussão", de acordo com o texto.

"Demonstram assim, não terem o bom senso de distinguir as necessidades urgentes e inadiáveis do país e das populações", sublinhou. No mesmo comunicado, Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin e primeiro-ministro, criticou o voto da oposição "contra o programa pró-povo do Governo (...), contra o pedido para debater o orçamento rectificativo com urgência" e de "boicotar o funcionamento das comissões parlamentares".

"Apresentam moções sem argumentação forte e fundamentada. Tudo isto apenas porque querem fazer o assalto ao poder. Tudo isto porque querem golpear o Governo eleito pela maioria", acrescentou.

Por isso, como explicou o secretário-geral adjunto, José Reis, "estão criadas todas as condições para que o Presidente da República tome uma decisão em conformidade com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste e a situação política vigente".

Sugerir correcção
Comentar