Integração? “É preciso haver vontade política”

Para a responsável pela área da democracia do Conselho da Europa, Claudia Luciani, é preciso pensar em políticas de integração “a longo prazo” e no que serão as nossas cidades do futuro, para melhor resolver os problemas do agora.

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Claudia Luciani, directora da Governança Democrática do Conselho da Europa Rui Gaudêncio

"Não sabemos como Portugal ou Itália vão estar daqui a 15 anos. As mudanças são tão rápidas e a demografia muda muito depressa, assim como fluxos migratórios. É difícil antecipar”. Em tempos de intensa mobilidade humana, a antecipação pode ser a chave para que as cidades consigam desenhar uma política de integração sólida que fortaleça as relações entre todas as culturas que vão crescendo nas cidades. Para isso, é “preciso haver vontade política”, diz ao PÚBLICO Claudia Luciani, directora da Governança Democrática do Conselho da Europa. 

Como podem as cidades integrar quem chega? De quem devem partir essas iniciativas de integração? Dos Estados? Ou das próprias cidades? O Conselho da Europa pôs a responsabilidade nas mãos das autarquias europeias quando criou, há dez anos, o programa Cidades Interculturais. Para que a diversidade fosse vista como uma “vantagem competitiva” para as comunidades, explica Luciani, “se for gerida de uma maneira construtiva e competente”, mobilizando responsáveis políticos, empresas, professores, funcionários públicos e a sociedade civil. Para que, juntos, repensem as políticas e os serviços das cidades no que toca ao acolhimento de imigrantes.

Considerando Portugal como “um exemplo do alinhamento que existe entre as políticas locais e nacionais”, o Conselho da Europa escolheu a capital portuguesa para reunir ministros, autarcas e responsáveis políticos, para discutirem políticas urbanas para a integração “inclusiva” e pensarem melhores respostas aos desafios e necessidades das autoridades e dos cidadãos. 

O projecto, que começou por querer explorar “a dimensão cultural da inclusão social”, tornou-se algo “completamente diferente” desde a crise migratória na Europa, nota Claudia Luciani. Hoje, o projecto envolve 121 cidades na Europa (e fora dela). Mas, apesar do número, há um rol de desafios que se mantêm.

O primeiro, diz Luciani, é a “cobertura geográfica” do projecto, já que, “grande parte da Europa central e parte dos Balcãs” estão fora do projecto. São, inclusive, regiões directamente afectadas pela entrada de migrantes, mas, sublinhou a responsável, “os presidentes da câmara e os governos centrais destes países não estão tão interessados como outros”. 

O segundo, continua, é precisamente o tópico que estiveram a discutir em Lisboa: “como fazer com que os governos centrais se empenhem?”. 

Que mudanças para as cidades? 

Para Claudia Luciani, o sucesso da integração passa por “mudar e moldar” os cidadãos numa atitude positiva em relação à presença de imigrantes. A segurança é, de resto, um aspecto muito importante. Por isso, é imperativo fazer com que não haja uma associação directa entre a chegada de imigrantes e a insegurança.

“Há cidades onde a chegada de migrantes causava aversão nos vizinhos porque eles achavam que os migrantes andavam a sujar a cidade. Os municípios perceberam que isto era um ponto muito importante”, exemplifica Luciani, explicando que, nesse caso, era importante reagir rapidamente a qualquer sinal de que a cidade estivesse a ficar mais suja ou mais insegura. 

“Os cidadãos viam, por exemplo, que havia uma resposta rápida da autarquia ao primeiro sinal de desacatos. E, por várias vezes, a parte da administração da cidade que toma conta da segurança é a mesma que é responsável pela integração”, explica. 

Este trabalho, que deve ser atento e rápido, sublinha, é necessário para que os cidadãos nacionais percebam que as autarquias estão a cuidar de todos e não apenas dos migrantes. Na opinião da responsável, esta é mesmo uma das razões pelas quais algumas políticas de integração não são bem-sucedidas: “Muitas vezes acabam por ser só para um grupo”.

Se Lisboa e Portugal como um todo têm sido considerados pelo Conselho da Europa como “um exemplo do alinhamento que existe entre as políticas locais e nacionais”, há desafios que ainda se impõe: conseguir empregos de acordo com as qualificações, aponta Claudia Luciani. 

“É difícil para os migrantes - quando o conseguem -, arranjar um emprego adequado às suas habilitações e competências. Tendem a conseguir empregos “do fundo cadeia”, isto é, menos qualificados. E isso é “obviamente, um obstáculo à integração”, salienta. 

Antecipar o futuro

Ainda que o objectivo aqui seja perceber o que há de comum entre políticas locais e nacionais, parte da resposta já é conhecida: independentemente de ser “um país centralizado ou descentralizado, não importa de onde parte a iniciativa”, considera Claudia Luciani. Importa, sim, que outros níveis de governação estejam dispostos a seguir o mesmo paradigma e esse é, muitas vezes, o desafio: “É preciso haver vontade política”, nota. 

Este é um dos “problemas fundamentais” que o continente enfrenta: “em algumas partes da Europa, a política não está lá”. E não só não está, como há um discurso avesso que continua a ser sobre manter os migrantes fora “como se se pudesse construir um muro ou fronteiras”, refere Luciani. 

"Como é que se contesta esse discurso negativo, que está, obviamente, a espalhar o ódio?”, questiona a responsável, lembrando o episódio de violência que envolveu Andreas Hollstein, o presidente da câmara de Altena, na Alemanha, que foi esfaqueado, na passada semana, por um homem que se insurgiu contra as políticas pró-acolhimento de refugiados da cidade. 

Um caso “chocante”, classifica Claudia Luciani, numa Europa que não tem sabido gerir a crise migratória, reconhece, e que precisa das Nações Unidas. “Precisamos de parceiros que são capazes de chegar aos países de origem, de passagem e de chegada. De outra forma, a única tentação será construir muros, fechar fronteiras e ter mais guardas costeiros”, conclui. 

Claudia Luciani reconhece a necessidade de mais cidades europeias colocarem nas agendas a questão da integração intercultural. Para a responsável, é preciso pensar em políticas de integração de longo prazo e trabalhar com demógrafos e economistas, que ajudem a entender que tipos de sociedades teremos no futuro. 

Para já, “ainda estamos no patamar da emergência”, diz Claudia Luciani. “Ainda há barcos de pessoas a ir para o mar. Mas se conseguirmos perceber como serão as nossas cidades em dez anos, isso vai ajudar a resolver melhor a situação actual". Além disso, remata a responsável, é preciso saber como investir mais "de forma mais inteligente" nas nossas cidades.

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