É a fome que está a levar “barcos fantasma” norte-coreanos ao Japão?

Este ano, já foram 40 as embarcações de pesca que chegaram às costas japonesas, depois de muito tempo à deriva - no interior, havia cadáveres ou esqueletos.

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A embarcação de madeira que deu à costa em Akita Kyodo/REUTERS

O barco pesqueiro andava há tanto tempo à deriva no mar do Japão que dos cadáveres a bordo já quase só restavam os ossos. Mas os investigadores forenses que subiram a bordo, de fatos-macaco e máscaras a proteger a cara, encontraram uma pista para a sua origem: um pacote de cigarros, de uma marca norte-coreana. Na proa, em tinta vermelha muito descascada, estavam arrumados coletes salva-vidas, com um número de oito algarismos, em caracteres coreanos.

Era impossível dizer há quanto tempo o mais recente “barco fantasma” norte-coreano a dar a costa no Japão andou no mar. Nem como morreram os oito tripulantes.

Embora as autoridades da prefeitura de Akita, no Norte do Japão, não assumam que a embarcação vinha da Coreia do Norte, diz a Deutsche Welle, parte-se do princípio que este visitante misterioso faz parte de um fenómeno que não é novo: só este ano, mais de 40 embarcações com cadáveres chegaram à costa ocidental japonesa; em 2016, foram 66.

Dois dias antes, os restos de outro barco de madeira, e dois corpos, deram à costa na ilha Sado, também na costa Norte do Japão. E a 23 de Novembro, na cidade de Yurihonjo, um barco de pesca de lulas da Coreia do Norte chegou à noite ao porto – a tripulação estava sã e salva, embora o motor estivesse avariado.

As correntes oceânicas ao largo da costa japonesa são traiçoeiras e, nos meses de Inverno, as águas são muito agitadas, por isso não é incomum que embarcações à deriva dêem à costa na região de Akita.

Apesar de estes “barcos fantasma” se terem tornado relativamente comuns, a identidade das vítimas a bodo continua a ser um mistério. Serão pescadores que perderam a vida no mar, ou norte-coreanos que tentam fugir do regime?

Na dúvida, e face ao aumento do belicismo da Coreia do Norte, o Governo japonês reforçou a vigilância. “A Guarda Costeira e a polícia têm de cooperar para aumentar as patrulhas ao largo do Japão”, afirmou o porta-voz do Executivo em Tóquio, Yoshihide Suga.

Fome grave

“A Coreia do Norte está numa situação alimentar bastante desesperada neste momento”, explicou à Deutsche Welle Jeff Kingston, director de Estudos Asiáticos da Universidade Temple no Japão.

A Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) alertava em Julho que a pior seca em quase duas décadas ia resultar num mau ano agrícola, ameaçando criar uma situação de fome grave, que punha em a causa a alimentação não só da população civil como também dos militares. A plantação de várias culturas de cereais que estão na base da alimentação dos norte-coreanos foi afectada, bem como a criação de gado.

“Há relatos de que a liderança tem dado ordens à frota pesqueira para aumentar as capturas de peixe”,disse Kingston à emissora pública alemã. E os pescadores são forçados a ir cada vez mais longe, por causa da sobrepesca – norte-coreana e também chinesa.

Por isso, é provável que o número destes “barcos fantasma” a dar à costa do Japão venha a aumentar nos próximos meses. “Estas embarcações de madeira não estão aptas a navegar nas águas agitadas do Mar do Japão no Outono e Inverno”, diz Kingston.

O mau estado das embarcações é mesmo o motivo mais provável de terem ficado à deriva – se os motores se avariarem, ficam à mercê das correntes e dos ventos, e podem passar-se meses até chegarem à costa, o que explicará porque é que os cadáveres estão já a tornar-se esqueletos.

Em fuga do regime?     

Outra possibilidade que nunca é descartada é a de que estes barcos transportem pessoas que tentam fugir da Coreia do Norte. Há centenas de pessoas que tentam fazê-lo, e cerca de 30 mil norte-coreanos fugiram do país desde meados da década de 1990, quando ali grassou uma fome terrível, contabilizou o Washington Post. Os que conseguiram fugir relatam represálias violentas por motivos políticos, como condenações ou internamentos em campos de trabalho por terem visto filmes norte-americanos, em condições que equivalem a morrer à fome e de esforço.

Mas estes são os que tiveram sucesso na fuga. Não se sabe quantos falharam na tentativa de sair do país, ou morreram em viagens desesperadas tentando alcançar a Coreia do Sul, a China ou o Japão. Outros ainda são capturados no caminho, e sofrem um castigo severo por tentarem fugir, ou por ajudarem quem quer fugir, que pode incluir a morte.     

 

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