Os vinhos são (quase) todos grandes

Só há grandes vinhos porque há vinhos menos grandes – em Portugal ou em qualquer outra zona produtora do Mundo. Só há Barcas Velhas porque há Gazelas ou Trinca Bolotas.

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Adriano Miranda

A discussão em torno dos grandes vinhos tem sempre uma certa feição aristocrática. Da mesma forma que as elites engravatadas e solenes de outrora discutiam os grandes negócios ou as grandes decisões dos governos, hoje há elites em tertúlias, em blogues ou em jornais a discutir a origem, a natureza e o destino dos grandes vinhos. É BOM. Fala-se de aromas, de estruturas, de caracteres, de lugares de origem, de intensidades ou elegâncias como em tempos se falou de modos de ser e de estar que distinguiam a nobreza da plebe, o doutor e o operário. O vinho grande será apenas a quintessência da criação de viticultores ou de enólogos, não aquele banal produto agrícola condicionado pela natureza e, fundamentalmente, um necessário bem transaccionável sujeito às leis da economia.

Não há mal nenhum nesse hábito de elites (nas quais, por vício de pensamento, o autor deste texto humildemente se inclui) em falar dos grandes, quase sempre dos grandes. Por vezes, como o fez nestas páginas Pedro Garcias, as reflexões sobre os grandes vinhos ou sobre as causas da sua provável inexistência são importantes contributos para o diagnóstico de problemas e para a procura de soluções que, interessando aos “grandes”, acabam por trazer benefícios a todos. O que por vezes está mal é um certo excesso de atenção ao topo e um deficiente cuidado com a base. Porque o vinho português, ou francês, ou norte-americano é muito mais do que os Chateau Laffitte ou o Opus One. E é-o não apenas para os produtores; é-o principalmente para a grande massa de consumidores que se satisfaz em comprar vinhos abaixo dos três euros.

Para esse universo de produtores do baixo clero, há perguntas, dúvidas e certezas, trunfos e armadilhas que são partilháveis com os dramas dos grandes. Discutir castas, tecnologias, regulamentação, constrangimentos com a disponibilidade de mão-de-obra ou de clientes é sem dúvida uma rotina comum. Mas a sua superfície de contacto acaba aqui. Porque os pequenos produtores ou as regiões menos na moda ou os donos de marcas de baixo preço e grande volume terão sempre de contar com um certo ostracismo, um certo desdém e um certo esquecimento entre as elites que discutem os grandes.

Num dos seus textos, Pedro Garcias dizia que uma causa provável para explicar a inexistência de grandes vinhos brancos podia-se encontrar numa região que produz alguns dos “melhores e piores” vinhos do país – a região dos Vinhos Verdes. E dava como exemplo o caso de suas empresas, a Sogrape e a Aveleda, que de facto dão que pensar. Estes gigantes podem ser questionados por não se empenharem em criar um Verde de classe mundial, como poderiam se quisessem e se investissem. Essa abdicação merece crítica. Mas serem donos de marcas que, como a Casal Garcia ou a Aveleda, são um nervo indispensável na sustentação económica da região, é algo que merece elogio. Podem não ser vinhos assim tão grandes nos aromas ou no balanço, mas são enormes para a vida de milhares de pessoas.

É de resto nesta aparente oposição entre volume e percepção de qualidade que se faz a realidade do vinho português. Só há grandes vinhos porque há vinhos menos grandes – em Portugal ou em qualquer outra zona produtora do Mundo. Só há Barcas Velhas porque há Gazelas ou Trinca Bolotas. Nesse domínio dos vinhos que dão nervo e sustentação a uma região, o noroeste onde se fazem os Verdes é, de resto, um exemplo notável. No espaço de 15 anos as exportações passaram de 15% da produção para mais de metade. O preço das uvas é o mais alto do país. O Verde tinto deixou de ser um vinho étnico e ganha adeptos pela sua singularidade. O rosé cresce acima dos dois dígitos. A venda dos vinhos de casta, mais caros na escala de valor, não para de aumentar.

Não serão vinhos com este registo grandes vinhos? São-no, mesmo ficando fora do impacte da excelência que torna os consensualmente grandes objecto de desejo. São-no porque são vinhos no geral bem-feitos, fáceis de beber e atraentes para os consumidores que sabem tanto de taninos como de geometria euclidiana ou de aromas primários como de nanotecnologia. De resto, para nossa sorte, é mais difícil beber um vinho de volume engarrafado mau em Portugal do que em Espanha ou na França. E podem vir do Alentejo, do Dão ou do Douro que, por regra, insisto, não nos desmerecem a simpatia.

Não é o noroeste origem de vinhos estratosféricos – excluindo os Alvarinhos e uma mão cheia de grandes Loureiro? Talvez não, mas a sua dinâmica é afinal a prova de uma outra grandeza: a da genialidade da gente do Norte, que sabe aproveitar os seus recursos para fazer uma agricultura com garra, talento e determinação. E, o que torna os seus vinhos grandes, com um sucesso reconhecido.

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