Quem tem medo da EDP?

A EDP não é a PT, nem é o BES, mas ela foi um pilar dos anos socráticos, e o seu valor cresceu enormemente graças à febre das renováveis.

Uma verdadeira direita liberal tem o dever de combater todas as corporações: sejam do marxista Mário Nogueira, sejam do capitalista António Mexia. Os contribuintes portugueses são sugados de muitas e muito criativas formas, e é simplesmente estúpido andar em 2017 a fumigar a pátria com a retórica de 1917. Nas sociedades democráticas onde a classe média é dominante, o combate mais importante não é entre ricos e pobres, e muito menos entre burguesia e proletariado, mas entre cidadãos livres e as inúmeras corporações e clientelas que desviam os recursos do país, colocando em cima do cidadão comum uma canga de dívida e burocracia que lhe retira a liberdade para perseguir os seus sonhos e a sua felicidade.

A EDP não é a PT, nem é o BES, mas ela foi um pilar dos anos socráticos, e o seu valor cresceu enormemente graças à febre das renováveis. Essas contas nunca foram compreendidas pelos portugueses, e sobre a EDP está ainda muito longe de ter recaído o mesmo nível de reprovação que se abateu sobre a PT e sobre o BES — muito possivelmente por a EDP continuar a deter um enorme poder financeiro, económico e político. O facto de se ter transformado na cash cow das privatizações pós-troika também ajudou, e muito: em 2011 e 2012, o país precisava desesperadamente de dinheiro, e a dupla Passos Coelho/Vítor Gaspar preferiu embolsar 2,7 mil milhões de euros no imediato a desconstruir a lógica rentista que preside a boa parte dos negócios da eléctrica nacional. Por esse lado, eu compreendo certas irritações dos actuais accionistas da EDP e dos seus representantes portugueses: houve muita gente que fez um investimento gigantesco com base em determinados níveis de rentabilidade, e mudá-los a posteriori seria fazer batota com compromissos assumidos pelo Estado.

É verdade. Mas, neste ponto, eu coloco a minha mão direita em cima do ombro da extrema-esquerda — “batota”, se quisermos, é também o que os governos fazem quando congelam carreiras, quando criam “contribuições solidárias”, quando as PPP rodoviárias sufocam a economia e levam empresas à falência. Se os sucessivos governos podem fazer “batota” connosco, por que não com a EDP, com a Galp ou com a REN? Ninguém me apanhará a criticar o descongelamento dos nove anos de carreira dos professores e depois a aplaudir o congelamento para toda a eternidade das rendas da EDP — o clientelismo e o corporativismo estão em ambos os lados: na Fenprof e na EDP Renováveis. Tal como ninguém me apanhará a defender os privilégios de empresas semi-monopolistas, que devem o seu sucesso a um antiquíssimo concubinato com o Estado, como se estivéssemos a proteger a iniciativa privada e o mercado aberto.

Pior: um dos grandes problemas de o país não ter ainda parado para pensar seriamente no significado de ter um ex-primeiro-ministro acusado de um nível gigantesco de corrupção reflecte-se também aqui, nos privilégios e nas rendas da EDP. Depois de tudo o que sabemos sobre o BES, sobre a PT, sobre o Grupo Lena, sobre o TGV ou sobre o percurso de Manuel Pinho na Universidade de Columbia, não me parece razoável pôr as mãos no fogo por qualquer grande contrato assinado pelo Estado com um privado, e muito menos pelos negócios chorudos da EDP Renováveis — empresa que, recorde-se, foi criada em 2007. A postura do próprio Governo deveria ser esta: duvidar de qualquer papel assinado por José Sócrates entre 2005 e 2011. A bem do regime e da democracia, já era hora de começarmos a conversar a sério sobre este assunto.

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