Zero denuncia descontrolo na gestão das embalagens em Portugal

Ambientalistas cruzaram dados de 2016 da Agência Portuguesa do Ambiente e da Sociedade Ponto Verde, que revelam mais de meio milhão de toneladas de embalagens que não pagam taxas de reciclagem.

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Só em plástico há 300 mil toneladas de diferença entre os dados da APA e da Ponto Verde adriano miranda

Por cada sete quilos de embalagens de vários tipos de materiais que em 2016 estavam integradas no Sistema Ponto Verde haveria outros cinco quilos e meio circulando à margem da lei, sem pagar as respectivas taxas de reciclagem, denuncia a Zero. A associação ambientalista pede uma investigação a esta disparidade, que interpreta como um sinal de descontrolo na gestão das embalagens em Portugal. Só em plástico de vários tipos haveria 300 mil toneladas a circular à margem da lei, segundo os dados recolhidos na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e na Sociedade Ponto Verde (SPV).

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Por cada sete quilos de embalagens de vários tipos de materiais que em 2016 estavam integradas no Sistema Ponto Verde haveria outros cinco quilos e meio circulando à margem da lei, sem pagar as respectivas taxas de reciclagem, denuncia a Zero. A associação ambientalista pede uma investigação a esta disparidade, que interpreta como um sinal de descontrolo na gestão das embalagens em Portugal. Só em plástico de vários tipos haveria 300 mil toneladas a circular à margem da lei, segundo os dados recolhidos na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e na Sociedade Ponto Verde (SPV).

A Zero pediu os dados de 2016 às duas entidades e os resultados acabaram por surpreender o responsável pela área dos resíduos da Zero, Rui Berckemeyer, que não esperava um fosso tão grande entre o retrato fornecido pela empresa que até 2016 geria em exclusivo o fluxo das embalagens e o da APA, que resulta dos dados de caracterização dos vários tipos de resíduos que, recolhidos junto dos consumidores, entram nos vários sistemas multi-municipais de tratamento de lixos urbanos do país. 

Ora, para a SPV, nesse ano foram cobradas taxas sobre 705,6 mil toneladas de embalagens, enquanto a APA refere recolhas a rondar as 1252 mil toneladas, o que dá uma diferença de 546,4 mil toneladas. Desta quantidade aparentemente fora de controlo, cerca de 300 mil são de vários materiais de plástico, para o qual é de um para três a diferença entre os valores indicados pela Ponto Verde (150 mil toneladas) e o que terá entrado nos operadores regionais de gestão de resíduos (450 mil). Mesmo outros produtos específicos, como os ECAL, um material que mistura plástico, alumínio e cartão, e é usado em leite e sumos, essencialmente, as 58,7 mil toneladas indicadas pela APA são quase o dobro das 30 mil toneladas que a SPV reportou à Zero.

Aumentar

Mesmo assumindo que "não tem poderes inspectivos", e que a lei prevê que é do produtor de embalagens a responsabilidade pelo seu destino, a Ponto Verde contesta a leitura da Zero. Em resposta ao PÚBLICO; a empresa assinala que no âmbito da monitorização e auditoria dos embaladores e/ou importadores com quem tem contratos celebrados, só nos últimos 5 anos realizou mais de cem auditorias. E explica que as embalagens com que lida "são pesadas limpas não se podendo comparar com as quantidades de embalagens existentes nos resíduos, que se encontram sujas e com contaminantes que lhe fazem aumentar o peso".

A SPV argumenta, por exemplo, que "um saco de plástico existente nos resíduos urbanos pode ter um peso de cerca de 60% superior ao de um saco limpo e que é declarado à SPV porque tem humidade e sujidade à superfície". E refere também que os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos têm acesso a alguns resíduos industriais e outros não urbanos nas suas recolhas, os quais não são provenientes do Sistema de recolha selectiva e porta-a-porta, o que faz aumentar indevidamente o número apresentado.

Rui Berckemeyer contesta a importância da sujidade no peso das embalagens já usadas. Até admite que os números da APA, que decorrem de leituras feitas por amostragem pelos operadores multi-municipais que têm a responsabilidade de encaminhar para reciclagem os resíduos, possam não ser exactos, mas são os que existem e são calculados por parâmetros validados pelo Governo, nota. Em todo o caso, argumenta, ainda que a disparidade possa, na verdade, ser um pouco mais baixa, ela não deixa de ser “extremamente preocupante”, pelo que significa de distorção do mercado das embalagens e por pôr em causa as metas nacionais de reciclagem. 

Impacto no ambiente

Do ponto de vista económico, a questão da sub-notificação torna-se sensível numa altura em que a Sociedade Ponto Verde deixou de ter o exclusivo da gestão do fluxo destes materiais, passando a operar com mais dois concorrentes. “Este não pagamento do Ponto Verde por parte de mais de meio milhão de toneladas de embalagens aparenta configurar uma situação de ilegalidade generalizada, pelo que se torna urgente uma acção de fiscalização por parte das entidades oficiais", afirma a Zero, criticando a inoperância fiscalizadora da Agência Portuguesa do Ambiente. Entidade que o PÚBLICO tentou ouvir, sem sucesso. 

Outra preocupação decorrente desta disparidade dos números é o seu impacto no ambiente e nas metas de redução e reciclagem de resíduos urbanos a que o país se comprometeu. “Considerando que afinal existem, pelo menos, mais meio milhão de toneladas de embalagens nos Resíduos Urbanos”, a zero assinala que o Ministério do Ambiente tem de aumentar “de imediato” as metas de reciclagem de embalagens para os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, fixadas por despacho em 2015, “já que estimou nesse ano que o total de embalagens se situaria nas 680 mil toneladas, ou seja, apenas 52% do que efectivamente entra no mercado”, alerta.

Olhando para os dados agora obtidos e para a ambição inscrita no Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos 2020, a associação frisa que “se torna imprescindível rever a meta de reciclagem inaceitavelmente baixa relativa aos plásticos, a qual é de apenas 22,5%, considerando os impactes que este tipo de material tem no ambiente, em particular nos oceanos”. Contactado pelo PÚBLICO, a tutela remeteu para mais tarde uma reacção a estes dados, por impossibilidade de agenda do secretário de Estado do Ambiente.