Portugal atinge o nível de desigualdade mais baixo de sempre

Apesar das melhorias, Portugal continua entre os mais desiguais. E mantém-se nos 11% a taxa de trabalhadores pobres. Já entre as crianças, o risco de pobreza baixou.

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Portugal ainda é um dos países mais desiguais da União Europeia (UE), mas o coeficiente de Gini, que reflecte as diferenças de rendimentos, está abaixo do que existia em 2009, ano em que a crise financeira entrou no país. Portugal nunca registou um valor tão baixo desde que começou a usar este indicador, em 1994.

Este é o aspecto que mais chama a atenção de Carlos Farinha Rodrigues, coordenador científico do Observatório das Desigualdades do CIES-IUL, quando se lhe pede que olhe para o último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, divulgado ontem pelo INE.

O coeficiente de Gini mede o quão desigual é a distribuição de rendimentos entre as pessoas, numa escala entre o mínimo de 0 e o máximo de 100. Quanto mais perto do zero, menos desigual. 

Aquele indicador começou a baixar em 2004. A tendência manteve-se até 2009. Nesse período, passou de 38,8 para 33,7. Mesmo assim, Portugal continuava a ser um dos países da UE com distribuição de rendimentos mais desigual. Dividia então o terceiro lugar com Espanha. Pior, só a Lituânia e a Letónia.

A partir de 2009 a situação agravou-se, atingindo-se em 2013 os 34,5. No ano seguinte já houve redução (34). A tendência continuou em 2015 (33,9) e acentuou-se em 2016 (33,5). O país, porém, permanecia um dos mais desiguais da União. Já fica abaixo de Bulgária, Lituânia, Roménia, Espanha e Letónia.

O especialista em pobreza e desigualdade enfatiza a queda de outros indicadores. As crianças foram o grupo etário mais afectado pela chamada crise da dívida. E a taxa de risco de pobreza de menores de 18 anos alcançou em 2016 os 20,7%, quando ainda no ano anterior era 22,4. É, diz Farinha Rodrigues, o valor mais baixo de sempre. O mais próximo que esteve disso foi 20,8%, em 2005.

A taxa de risco de pobreza, de resto, baixou para todos os grupos etários entre 2015 e 2016. Na população idosa passou de 18,3 para 17%. E na população adulta em idade activa de 18,2% para 18,1%. A grande excepção é protagonizada pelos desempregados (passou de 42% para 44,8%). 

Farinha Rodrigues atribui a quebra da pobreza à descida da taxa de desemprego, que recuou para os valores pré-crise, mas também à reposição dos rendimentos das famílias. Essa reposição está a ser feita, muito por via das transferências sociais, de forma gradual. Subsistem, contudo, os baixos salários e a precariedade. Mantém-se nos 11% a taxa de trabalhadores pobres.

Pobreza e exclusão

A diminuição da taxa de risco de pobreza seria maior se não tivesse havido uma subida generalizada de rendimentos. A taxa de risco de pobreza é calculada com base na mediana do rendimento monetário líquido por adulto equivalente. Ora essa registou um aumento de 8782 euros em 2015 para 9070 euros em 2016. A linha de pobreza relativa, que corresponde a 60% da mediana desse valor, subiu então de 5269 euros para 5442 euros, isto é, de 439 para 454 euros por mês.

A distorção, recorda Farinha Rodrigues, colocou-se de forma muito clara nos anos da crise. Vários especialistas chamaram a atenção para o facto de o aumento da pobreza estar a ser escondida pela descida generalizada de rendimentos. O INE começou a calcular uma linha de pobreza ancorada em 2009, actualizando-a com base na variação do índice de preços no consumidor. Essa taxa subiu de 17,9% em 2009 para 25,9% em 2013. Desde então, assistiu-se a uma melhoria: 24,1% em 2014, 21,8% em 2015 e 21,1% em 2016.

Na ânsia de encontrar uma medida mais rigorosa, a União Europeia definiu um indicador relativo à população em risco de pobreza ou exclusão social. O INE avançou agora dados provisórios para 2017, que apontam para quase 2,4 milhões de pessoas em situação de “risco de pobreza ou exclusão social” em Portugal. Este indicador não reflecte apenas a pobreza monetária, calculada em função dos rendimentos das famílias. Conjuga isso com o conceito de “privação material” (medido, por exemplo, pela incapacidade de pagar a tempo e horas rendas e outras despesas, ou pela incapacidade de ter uma refeição de carne, peixe ou equivalente, de dois em dois dias) e com o conceito de “intensidade laboral per capita muito reduzida”. Segundo explica o INE, consideram-se em intensidade laboral muito reduzida “todas as pessoas com menos de 60 anos que, no período de referência do rendimento, viviam em agregados familiares em que a população adulta entre 18 e 59 anos (excluindo estudantes) trabalhou em média menos de 20% do tempo de trabalho possível”.

Neste momento, está em situação de “pobreza e exclusão” 23,3% da população. Eram 25,1% em 2016, 26,6 em 2015, 27,5% em 2014.

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