Centeno no Eurogrupo: custa assim tanto admitir o óbvio?

Como presidente, terá um poder decisivo para escolher os assuntos que chegam a votos. Quem achar que isso é coisa pouca anda distraído?

Às vezes o nosso trabalho mais importante é ver o óbvio. Às vezes, o trabalho mais difícil é admiti-lo. Ver o óbvio parece demasiado fácil. Admitir o óbvio parece demasiado simples. E nós preferimos, por múltiplas razões pessoais e sociais, passar por complexos e difíceis.

Mas as coisas não são sempre complicadas. E o tema do dia, desta vez, não é especialmente difícil. É óbvio que Mário Centeno é um bom candidato para presidente do Eurogrupo. É óbvio que ele tem boas hipóteses de ganhar. É óbvio que, ganhando, ele poderá ser um bom presidente do Eurogrupo. E é óbvio que se ele for um bom presidente do Eurogrupo isso será bom para a Europa e para Portugal.

Estou à vontade para dizer isto, uma vez que defendi para o cargo de presidente do Eurogrupo um outro modelo que passasse pela escolha de um comissário, que estaria sob certas obrigações legais comunitárias que não se aplicam da mesma forma aos ministros das finanças, como responder perante o Parlamento Europeu e obedecer à Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Mas se os governos insistem no modelo atual de escolher um ministro das finanças, é óbvio que Centeno é o melhor candidato. Há coisas na vida que precisam de análises escaganifobéticas. Esta não é uma dessas.

Basta ver, ouvir e ler à nossa volta, porém, para confirmar que não é nada disto que se diz. Numa aliança implícita entre a cultura das redes sociais, os interesses da política partidária e as necessidades do comentariado profissional, levantou-se uma nuvem de fumo em torno da questão Centeno. Diz-se, ao mesmo tempo, que o Eurogrupo tem demasiado poder e que o seu presidente não terá poder nenhum. Que será o Eurogrupo a entrar no governo português e não o governo português a entrar no Eurogrupo. Que com Centeno a presidente Portugal terá menos influência. Que o euro é irreformável e que Centeno nada poderá mudar. E por aí adiante.

É caso para fazer algumas perguntas. Se o presidente do Eurogrupo não tem nenhum poder, por que razão Djisselbloem se agarrou ao cargo para lá do razoável? Se entre um presidente e outro não há qualquer diferença, por que razão tivemos os juros a disparar e a zona euro a crescer menos do que os EUA depois da crise quando Trichet estava à frente do Banco Central Europeu — e com Mario Draghi temos o euro a crescer mais do que os EUA e os juros negativos? Se o euro é irreformável, então porque tivemos em 2010 uma zona euro que não comprava dívida soberana e agora existe um programa de compra de dívida dos estados de 60 mil milhões de euros por mês? Se nada disto tem importância na taxa de desemprego, no orçamento dos estados e no dinheiro no bolso do leitor, por que diabo exigimos tanto que saísse de lá Dijsselbloem?

Resta, no fim de contas, a sempiterna pergunta: e para Portugal? Será isto bom para nós? A resposta é: sim, mas não pelas razões que se imagina. A verificar-se, a chegada de Centeno à presidência do Eurogrupo é boa para Portugal não por ele ser português mas antes por ser um economista que antes de chegar a ministro já escrevia que o principal problema da moeda única era a desigualdade entre os estados e dentro dos estados (cf. Centeno e outros, The Challenge of European Inequality, Oxford University Press, 2016).

É claro que a eleição de um presidente que vê a desigualdade como principal problema do euro não significa que a desigualdade passe a ser a principal prioridade do Eurogrupo. Mário Centeno não vai ganhar votos sozinho. Mas, como presidente, terá um poder decisivo para escolher os assuntos que chegam a votos. Quem achar que isso é coisa pouca anda distraído.

Nas discussões de futebol, todos temos um daqueles amigos que não quer que o clube ganhe o campeonato por temer que os melhores jogadores saiam na temporada seguinte. Pela mesma ordem de ideias, esse amigo até preferiria que os melhores jogadores não entrassem em campo, não fossem eles ser vistos pelas equipas adversárias. O absurdo da posição é óbvio. Mas, de repente, todo o país comentadeiro está assim.

Vamos antes ser práticos, Portugal. Metam lá o Centeno a ponta-de-lança. Deixem o Centeno jogar.

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