O papel está a morrer? Este fim-de-semana o Zine Fest Pt quer mostrar o contrário

Pelo terceiro ano consecutivo decorre no Porto o evento internacional dedicado aos fanzines. Há mercados de edições, oficinas criativas, exposições e música.

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Quem disse que as edições em papel estão a morrer? Entre sexta-feira e domingo, nos dois pisos do Centro Comercial de Cedofeita, há música, oficinas criativas, cerca de uma dezena de exposições e um mercado de edições independentes em formato físico com 63 bancas. É o Zine Fest Pt que volta pelo terceiro ano consecutivo para a maior edição desde que se estabeleceu em Portugal.

Continua no mesmo espaço, na mesma cidade e com o mesmo formato, importado dos Estados Unidos, onde surgiu no início do século XXI, posteriormente replicado por todo o mundo. Este ano há mais bancas do que em anos anteriores, mais música e espera-se mais público.

Não se sabe ao certo quantas pessoas passaram pelas primeiras edições. Ainda não há meios para que se contabilize, mas o número de público tem vindo a aumentar. “Falha da organização a ser colmatada”, diz-nos a responsável pela versão portuguesa, Cristina Alves, que tem usado como barómetro o número de programas impressos: “No ano passado imprimimos 300 e nas primeiras horas do primeiro dia desapareceram todos. São seguramente umas largas centenas que por lá passam”. Seguindo a tendência de crescimento, espera-se que este ano passem mais.

Há outras feiras de edições independentes noutros pontos do país. Com este “conceito” e configuração, “que aglomera mais actividades”, terá sido o primeiro evento do género. “O que difere este evento de outros é que neste existe um conjunto de actividades diversas. Não é apenas uma feira. Há exposições, lançamentos, conversas temáticas, oficinas criativas, actividades práticas ou atelieres para se experimentar as técnicas”, diz.

Ao longo dos três dias de programa (https://zinefestpt.wordpress.com) vai lá estar Marcos Farrajota, da Associação Chili com Carne, o Gato Mariano, Tiago da Bernarda, Paulo Pimenta, fotojornalista do PÚBLICO, a apresentar Daqui para a frente, trabalho desenvolvido com o Projecto Crinabel Teatro, o finlandês Tommi Musturi com uma instalação e outros artistas nacionais e internacionais. Este ano, além da Finlândia e de Portugal, chegam artistas de países como Alemanha, Brasil, Cuba, Luxemburgo ou México.

Os fanzines, por definição, são publicações amadoras, feitas por amadores, de tiragem reduzida sem que o lucro seja a finalidade. Associa-se às mesmas o aspecto rudimentar e caseiro de um produto feito manualmente. Explica Cristina Alves que apesar de haver quem continue a seguir essa estética “há quem use tecnologia mais avançada”. É uma opção criativa. Difere este formato de outras edições independentes por não ter um ISBN e de não obedecer a uma linha editorial que não seja a do próprio autor.

No Zine Fest o universo de zines do mercado abrange áreas distintas como a banda desenhada, a fotografia, o graffiti, a ilustração e “outras temáticas”. Há também espaço para outras abordagens da cultura Do it Yourself (DIY) que caracteriza o género.   

Cristina Alves, que lecciona a disciplina de História de artes na Escola Árvore, lançou-se para este projecto por uma questão de afinidade pessoal. “Já há alguns anos que sou uma apaixonada pelos zines”, conta. Escolheu o Centro Comercial Cedofeita por ser um espaço que alberga outro tipo de eventos artísticos. Sítio de passagem diário, foi-se apercebendo que com regularidade lá se organizam outras actividades de áreas diferentes. O Zine Fest Pt, apesar de nunca se ter realizado fora do Porto, é um evento que pretende levar outras cidades. Em Maio deste ano já saiu de portas para uma experiência noutro local. Ainda que na mesma cidade, foi organizado na loja de banda desenhada, Mundo Fantasma, no Centro Comercial Brasília, um “mini-Zine Fest”, em conjunto com um evento de BD.

Este festival fá-lo sem orçamento. “Pela primeira vez, cobramos o valor simbólico de 10 euros para se montar banca no mercado durante os três dias”, conta. Todo o dinheiro é reinvestido no evento. Este ano serve para pagar o cachet dos Sereias, banda de “punk-jazz” que actua no sábado, técnico de som e algumas viagens de alguns participantes. O centro comercial contribui com a valor gasto na impressão dos programas.    

Os fanzines não são para meninos

Aos 81 anos, Geraldes Lino, passou mais de metade da vida a criar e a coleccionar fanzines. No final dos anos 60, conta-nos que é a altura em que começam a chegar os primeiros a Portugal, década em que começa a interessar-se pelo formato. “Apesar de terem nascido nos Estados Unidos é de França que chegam os primeiros”, recorda. O ano zero das edições portuguesas diz ser o de 1972, quando começam a ser editadas as primeiras edições nacionais. Um dos primeiros fanzines é o Quadrinhos, de Vasco Granja. “Na altura, o Vasco Granja era mal visto pelos maoistas por defender a linha comunista soviética”, recorda o coleccionador, que sublinha o carácter ideológico dos primeiros fanzines nacionais.  

Geraldes Lino desmonta “alguns mitos” associados aos zines: “O Vasco Granja já tinha mais de 40 anos quando editou o primeiro fanzine. Ao contrário do que muita gente pensa isto não é feito por crianças”, afirma. O próprio lançou o primeiro em 1987, já com mais de 50 anos, o Eros, uma BD erótica. Outro mito que desmonta é o de que têm que ter má qualidade: “Há fanzines com melhor qualidade do que publicações profissionais”.

Passou pelos tempos de maior efervescência do formato, “entre os anos 80 e 90” e continua actualmente a assistir a uma cena activa de “gente mais nova” que apela a um público sobretudo acima dos 30 anos.

No currículo, o “faneditor e estudioso do fenómeno fanzinístico”, que no domingo encerra o Zine Fest Pt com uma conversa sobre a origem dos fanzines, tem cerca de uma dezena de publicações lançadas e reúne uma colecção que está agora a recomeçar. “Tinha cerca de 3000 fanzines que doei à Câmara Municipal da Amadora para a abertura de uma Fanzineteca. Agora já tenho outra vez mais umas centenas”.  

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