Portugal 2020: O que esconde a propaganda do Governo

Na alocução final do debate parlamentar sobre o Orçamento de Estado para 2018 o Ministro Pedro Marques puxou do livro de recordes do Governo para enumerar alguns exemplos eloquentes: o maior crescimento económico deste século! o menor défice público da história da democracia! a maior redução da dívida pública! e, até, pasme-se, o maior crescimento do investimento público desde há décadas!

Claro está que os recordes não se esgotam aqui. Há muitos mais e o Ministro do Planeamento, talvez mais da Propaganda, só por falta de tempo não falou de outros bem mais reais como, por exemplo: o maior corte no investimento público dos últimos 60 anos (1,5% do PIB); o maior corte na despesa orçamentada das últimas décadas (2,7% da despesa pública total em 2016); a maior dívida pública de que há memória (quase 250 mil milhões em 2017). E a estes podemos ainda juntar, pelo menos, o recorde de um outro governo socialista, a que ele pertencia em dezembro de 2010, como muitos dos seus atuais colegas de Governo: o maior défice público (11,2%) de que há memória e que ditou de seguida, o pedido de resgate do país e a vinda da troika.

A imagem de um governo de campeões e de uma governação de recordes é um elemento central da estratégia de marketing socialista. Uma imagem que, obviamente, não tolera nem admite fracassos ou erros e muito menos responsabilidades sobre tudo aquilo que corre mal, por incúria, incompetência, opções políticas erradas ou até uma falta chocante de sentido de Estado. As más notícias, os maus resultados, as falhas graves na segurança ou na proteção dos cidadãos e até as decisões administrativas mais corriqueiras não são, nunca poderiam ser, imputáveis, à luz desta estratégia, e do caracter político de quem a protagoniza, à equipa de campeões que nos governa e ao seu capitão, o Dr. Costa. Quando aparecem as dificuldades ou os problemas, o governo ou endossa as responsabilidades ao Dr. Passos e à troika, os culpados de todos os nossos males, ou embrulha a realidade num manto rosa de propaganda que estende sobre o país com a cumplicidade da geringonça. A técnica tem sido utilizada em todos os domínios da governação, suportada em anúncios e promessas repetidos à exaustão, notícias cuidadosamente plantadas nos media e publicadas sem escrutínio nem contraditório e um endossar permanente de responsabilidades para outros sobre tudo o que corre mal.

O caso da execução do Portugal 2020 é um dos casos mais emblemáticos desta estratégia e deste modo socialista de governar. A narrativa construída ao longo dos últimos dois anos procura fazer crer ao país que o atual governo, partindo do zero, conquistou um sem número de sucessos: recebeu um número de candidaturas recorde; já pagou mais de 700 milhões de euros às empresas, mais de 60 milhões por mês; criou mais de 200 mil postos de trabalho; e colocou a execução do Portugal 2020 em velocidade cruzeiro. Tudo sucessos admiráveis que à força de repetição se transformam em verdades absolutas e que servem para iluminar a aura do governo de campeões e da governação de recordes.

A realidade dos factos e dos números é, no entanto, menos cor de rosa e idílica como o demonstra à saciedade o último relatório da Agência para o Desenvolvimento e Coesão sobre a execução do Portugal 2020 com informação reportada a 30 de setembro de 2017. Este relatório desmente a propaganda oficial e mostra, de forma inequívoca, o problema central com que se debate a gestão do Portugal 2020: muitas expetativas criadas, muitas candidaturas aprovadas, mas baixos níveis de realização das operações; níveis reduzidíssimos de investimento público; volume de pagamentos muito superior à execução e aos reembolsos feitos por Bruxelas. Ou seja, uma gestão totalmente em linha com o modo socialista de distribuir promessas com recurso a dinheiro fácil, de esconder problemas e de enjeitar responsabilidades.

Primeiro facto indesmentível, a execução global, isto é a despesa realmente feita, validada e certificada pelas entidades competentes, situa-se afinal em 17,0%, tendo crescido apenas 2,3 pp no decurso do último trimestre. Se olharmos para o conjunto dos programas temáticos e regionais do continente, ou seja, os que mais diretamente traduzem as opções do governo, a realização global baixa para 13,5%. A execução do Fundo de Coesão é apenas de 5,7%. A continuar com este ritmo de execução, Portugal corre o risco de perder uma parte significativa dos fundos disponíveis.

Segundo facto indesmentível, no conjunto dos programas operacionais temáticos e regionais do continente acentua-se o desfasamento entre o nível de aprovações (53,1%) e de realização das operações (13,5%). O compromisso (aprovações), sendo uma condição necessária para a realização das operações, traduz apenas a dinâmica dos candidatos e o esforço da gestão no lançamento dos avisos e na análise e decisão sobre as candidaturas, nada indicando sobre a efetiva execução dos projetos que é medida através da despesa validada, dos pagamentos realizados aos beneficiários e dos reembolsos que são apresentados à Comissão Europeia. A situação é particularmente grave nos programas operacionais regionais e nos programas temáticos como o programa da sustentabilidade e da eficiência no uso dos recursos (PO SEUR), nos quais se insere a maioria do investimento de iniciativa municipal e do setor empresarial do Estado (varia entre 5,5% e 8,2%). O baixo nível de execução deste programa reflete a forte redução do investimento público o que desmente e contradiz a propaganda oficial sobre uma suposta boa execução do PT2020. 

Terceiro facto indesmentível: o Portugal 2020 apresenta uma execução acumulada inferior em 23,4% à do QREN para o conjunto dos fundos da coesão (FEDER+FC+FSE) e se comparamos apenas o realizado no último trimestre com o equivalente no QREN, o “record” ainda é mais preocupante, menos 32,1%!

Finalmente, um quarto facto indesmentível: os reembolsos de Fundo Social Europeu vindos de Bruxelas são muito inferiores aos pagamentos realizados, o que exigiu o recurso a dívida pública ou, mais preocupante, ao orçamento da segurança social para suportar os pagamentos, podendo atingir o valor de 593 M€. Os pagamentos estão a ser suportados não em transferências da Comissão, como seria normal, mas em dívida pública ou através do recurso ao orçamento da segurança social, com impacto negativo nas contas públicas. À falta de justificação cabal, não poderá deixar de se especular sobre uma aparente manipulação do déficit das contas públicas através de uma utilização perversa do FSE. Porquê?

O volume de pagamentos não suportados em despesa validada, atinge o montante de 747 M€ para o conjunto dos fundos da coesão, mostrando uma orientação no sentido de favorecer os pagamentos sem assegurar paralelamente os fluxos de entrada de fundos. Este valor não traduz uma opção de favorecer a entrada de fundos na economia real nem de estimular o investimento empresarial. Com efeito, 70% do total dos fundos adiantados correspondem a FSE. No Programa Operacional da Inclusão Social e Emprego (POISE) este indicador atinge o valor de 72,6%. No FSE, as atividades permanentes do Ministério da Educação e as medidas ativas de emprego assumem um peso predominante, permitindo especular sobre um financiamento encapotado dos orçamentos dos ministérios da educação e do emprego. No programa do capital humano (POCH), no qual o Ministério da Educação é o principal beneficiário, foram pagos 462 M€ com recurso a divida ou ao orçamento da segurança social. Não estamos perante uma clara e grosseira manipulação do déficit das contas públicas através de uma utilização perversa do FSE?

A propaganda oficial quer fazer do Portugal 2020 um caso de recordes e de campeões. Os factos e os números demonstram quão falsa é esta propaganda. Muita parra, pouca uva. Sim, os resultados da execução são globalmente maus e sectorialmente, nos casos em que envolvem o Estado e as autarquias, miseráveis. Os riscos de Portugal não cumprir os objetivos e as metas acordados com Bruxelas são cada vez mais sérios e podem traduzir-se numa perda significativa de recursos financeiros. Em vez de enfrentar este problema e as dificuldades que lhe estão subjacentes com a frontalidade e a responsabilidade próprias de quem tem sentido de Estado, o Governo esconde despudoradamente a realidade e inventa uma ficção alternativa, compatível com a imagem idílica que nos quer vender. 

Mas faz mais. Nas costas do país, dos parceiros sociais e do Parlamento, o Governo está a «cozinhar» uma reprogramação do PT2020 quer mais não visa do que ir buscar fundos aos programas com baixa execução, desviando-os do apoio às empresas e á economia, para onde estavam destinados, para financiar as despesas correntes na educação e no emprego, e das regiões mais pobres para as mais ricas, para financiar infraestruturas de transporte. É este o governo de campeões e a governação de recordes que está a anular a nossa tradição de uma execução exemplar dos fundos europeus, em ritmo e em rigor!

* Vice-Presidente do Grupo parlamentar do PSD; Deputado do PSD; Assessor do Grupo Parlamentar do PSD

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