Rapto de empresário Américo Sebastião chega à União Europeia

Chefe da diplomacia europeia escreve carta a eurodeputada Ana Gomes e diz que raptos de empresários prejudicam a “imagem” e a “estabilidade” de Moçambique.

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Mogherini escreveu carta sobre rapto de empresário português Reuters/YVES HERMAN

O serviço de acção externa da União Europeia está a acompanhar o caso do empresário português desaparecido em Moçambique em 2016 e a pressionar Maputo para que informe Lisboa sobre a investigação, escreveu a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, numa carta oficial.

A carta da Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança é uma resposta à eurodeputada socialista Ana Gomes, que em Outubro pediu a Mogherini, por escrito, para “consultar as autoridades portuguesas” e “dar instruções” à delegação do Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE) em Maputo para os seus diplomatas se envolverem “de forma activa” e “ao mais alto nível” com o governo moçambicano, de modo a “esclarecer cabalmente” o que aconteceu a Américo Sebastião, desaparecido há um ano e meio, e “garantir o seu regresso em segurança”.

Na sua resposta, enviada esta semana, Mogherini diz que a União Europeia “vai continuar a apoiar os esforços portugueses”, ao mesmo tempo que “renovará junto das autoridades moçambicanas a preocupação relativa ao problema geral da violência contra empresários” que trabalham no país. “Nos últimos anos, Moçambique tem sido atingido por um aumento de raptos que têm como alvo empresários e pessoas ricas”, escreve a chefe da diplomacia europeia, notando que houve um aumento a partir de 2015, “quando o conflito político-militar recomeçou”. Os raptos são “extremamente preocupantes”, continua Mogherini, e o SEAE tem discutido o problema com Maputo em inúmeras ocasiões. Para “melhorar a imagem e a estabilidade do país”, conclui, Maputo “tem de reforçar o Estado de Direito e a luta contra a impunidade”.

“Dano reputacional grave”

Um ano e meio após o desaparecimento de Américo Sebastião — raptado numa bomba de gasolina na Beira, no centro de Moçambique, onde tem a sua empresa agrícola — Maputo mantém um blackout quase absoluto sobre a investigação policial e ignora as insistentes démarches da embaixadora de Portugal em Maputo, além das centenas de diligências do Ministério dos Negócios Estrangeiros, São Bento e Belém. Em Fevereiro, Jaime Basílio Monteiro, ministro do Interior moçambicano, fez uma visita-relâmpago a Lisboa para tentar apaziguar os ânimos, mas o pouco que disse irritou ainda mais as autoridades portuguesas.

Maputo não só não diz nada de concreto sobre a investigação como recusa as repetidas ofertas de colaboração da Polícia Judiciária portuguesa, ao contrário do que aconteceu noutros casos no passado.

“A carta de Federica Mogherini mostra que a falta de colaboração de Maputo sobre este caso já está a criar um dano reputacional grave para Moçambique”, diz a eurodeputada Ana Gomes. “E isso pode ter consequências sérias, pois a União Europeia é um parceiro muito importante para o país.” Os raptos e a aparente impunidade a eles associada “assustam” a comunidade internacional e “afastam os investidores”, sublinham diplomatas ouvidos pelo PÚBLICO.

À questão reputacional, junta-se outra bem tangível: o dinheiro. A União Europeia é um dos maiores financiadores dos programas de desenvolvimento de Moçambique. No quadro de apoio 2014-20, está previsto um investimento de 734 milhões de euros (para reforço do sistema democrático, alívio da pobreza e promoção de um ambiente empresarial que contribua para o crescimento da economia).

No pacote anterior (2008-2013), o 10.º Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) investiu 747,6 milhões em Moçambique. O FED é a principal fonte de financiamento para os países da África, Caraíbas e Pacífico, e é financiado com contribuições directas dos orçamentos dos Estados-membros da UE. No actual Quadro Financeiro Plurianual (2014-2020), o 11.º FED foi dotado com 30,5 mil milhões de euros. Moçambique beneficia ainda de outros instrumentos de acção externa europeia, como o ERASMUS, a Ajuda Humanitária e Protecção Civil (ECHO), e o Banco Europeu de Investimento.

Frelimo está envolvida?

A carta de Mogherini revela “alguma impotência de Portugal em conseguir fazer com que Moçambique partilhe informação”, nota um diplomata português, “mas tem um lado positivo: Mogherini é a voz de 28 países e fala sobre este caso num momento em que as relações de Moçambique com o FMI e o Banco Mundial estão tremidas” e o país “está muito dependente da ajuda da União Europeia”.

Na sua carta a Mogherini de 9 de Outubro, Ana Gomes escreve que Salomé Sebastião, mulher do empresário raptado, está convencida de que o desaparecimento do marido se deve a “interesses instalados de indivíduos com alegadas ligações ao partido no poder [Frelimo], interessados na sua área de negócio”. “Não posso excluir nenhuma hipótese”, esclarece a eurodeputada ao PÚBLICO. “Porque é que as autoridades de Moçambique não aceitam a oferta de colaboração portuguesa para este caso, quando há precedentes e até com bons resultados?”, interroga. Um desses casos é José Paulo Tavares, um empresário de Oliveira de Azeméis com negócios de exportação de bens alimentares nos arredores de Maputo, que foi raptado em 2013. Durante semanas, as polícias dos dois países trocaram informações a um ritmo “permanente” e a PJ portuguesa acabou por enviar para Maputo uma brigada especializada em raptos, que terá tido um papel fundamental na operação de resgate.

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