“Uma capacidade de trabalho e de realização absolutamente excepcionais”

Belmiro de Azevedo foi, sem dúvida, um dos maiores empresários do Portugal moderno e contemporâneo, um homem com uma capacidade de trabalho e de realização absolutamente excepcionais.

Recordar alguém sob o choque da notícia da sua morte, remete-nos quase escandalosamente para o lado de cá da vida, na certeza porém de que, mais tarde ou mais cedo, será a nossa vez. Esta vizinhança da linha do fim, tolda as palavras, emudece a memória e é no denso e escuro silêncio das emoções que desfilam algumas imagens e afloram as recordações.

Ao longo da minha vida pública, tive algumas ocasiões em que lidei de mais perto com o Engenheiro Belmiro de Azevedo. Recordo especialmente as duras negociações travadas aquando da construção do Colombo, era eu autarca de Lisboa ou, mais tarde, o enorme prazer que foi de contar com a sua colaboração aquando da criação da COTEC Portugal. Lembro também que não foi nada fácil convencê-lo da bondade da minha decisão em o condecorar….

Belmiro de Azevedo foi, sem dúvida, um dos maiores empresários do Portugal moderno e contemporâneo, um homem com uma capacidade de trabalho e de realização absolutamente excepcionais. A definição que o próprio um dia deu de “empreendedor”, assenta-lhe como uma luva – a saber: “um empreendedor é uma pessoa que nunca acredita na derrota. É uma pessoa que tem o vício de fazer coisas que nunca ninguém fez antes e faz isso um pouco por intuição, por ambição e por inspiração". É este trinómio que, a meu ver, melhor define o carácter radicalmente inovador da vida empresarial de Belmiro de Azevedo – ambição, intuição e inspiração. A que acresceram a determinação e a sua extraordinária resiliência.

Olhando para o império que construiu, há duas notas fortes que ressaltam: por um lado, uma cultura dominante de rigor e de exigência, o que, a nível dos recursos humanos, o levou à criação, no seio do Grupo SONAE, de um viveiro sólido de talentos e de competências notável; por outro lado, a componente “Público” em que sempre vi uma curiosa manifestação do vasto leque de interesses do engenheiro Belmiro de Azevedo.

Sei bem que as suas declarações, por vezes, intempestivas ou a sua frontalidade eram amiúde desconcertantes, mas, hoje, vejo-as mais como manifestações de impaciência de alguém que andou sempre um pouco à frente do seu tempo, de um homem movido pela independência do ser, a
autonomia do querer e a vontade de fazer.

Não sei se com o correr dos anos e a certeza da obra feita, Belmiro de Azevedo foi amenizando o olhar que pousava sobre o mundo e o juízo que fazia dos homens. Mas na sua Biografia podem ler-se estas palavras de extrema tranquilidade: "Afinal, o mais importante (…) nesta curta passagem pela Terra, é procurar manter o estar e o ser em harmonia no máximo de tempo possível ao longo da vida. E quando tivermos de partir, desejar serenamente deixar de estar antes de deixar de ser. Isto é, ver lucidamente a última etapa da vida".

Neste dia de triste despedida, é-me especialmente grata a lembrança de ter tido a ocasião de, em nome de Portugal, agraciar Belmiro de Azevedo com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em cumprimento de um acto de justiça e de um dever de homenagem inteiramente merecida.

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