O que os Xutos & Pontapés tinham a dizer sobre Zé Pedro, o biografado

Não Sou o Único é o título da histórica canção da banda com letra do guitarrista e também da biografia que a irmã de Zé Pedro, Helena Reis, lhe escreveu em 2007. O livro com testemunhos de Tim, Kalú e Gui (João Cabeleira dedicou-lhe um solo)

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Zé Pedro morreu nesta quinta-feira aos 61 anos LUSA/MIGUEL A. LOPES

Helena Reis é irmã de Zé Pedro e autora da biografia sobre o fundador dos Xutos & Pontapés, que chegou às livrarias em 2007. Não Sou o Único foi escrito para contar a história do guitarrista antes, durante e além da banda. Mesmo sendo impossível separar os dois mundos — Zé Pedro não é Zé Pedro sem os Xutos, nem os Xutos são os Xutos sem Zé Pedro. A prová-lo está o início do livro, onde se lêem "Breves palavras dos amigos Gui, João Cabeleira, Kalú e Tim". Uma espécie de dedicatória em que se contam histórias e se celebram, sobretudo, os laços de amizade.

Tim começa por recordar onde e quando conheceu Zé Pedro. Era uma tarde chuvosa de 1978 em Almada. Encontraram-se numa cave de jogos conhecida como Vício. “Eu já sabia que ia tocar com ele, o Zé Leonel [o primeiro vocalista dos Xutos & Pontapés] já me tinha dito, e achei que as coisas iam correr bem. O problema estava no Tejo”. Com um rio a separar a casa de Tim e o local de ensaios, no final do primeiro (adiado por três vezes), o baixista pede "ajuda ao Zé: trocos para o regresso!", conta. "Desde esse dia, conto com ele da mesma maneira: para o que der e vier. Ele foi o meu irmão mais velho, foi o meu quebra-gelo, o meu abre-portas, e fui crescendo e aprendendo com ele. Foi ele que me fez imaginar que afinal era possível. Não só era possível, estava a acontecer! Não só tinha acontecido, como ia acontecer outra vez, mas maior e melhor!”.

Na fase do álbum Circo de Feras (1987), Tim conta que ficava mais vezes em Lisboa — na “casa do pai do Zé, onde depois de chegarmos ele ia tratar da gata, e depois fazia panquecas”. A sua resistência física também é assinalada por Tim: “Muitas vezes me perguntaram porque é que eu não lhe dizia nada sobre os excessos e eu sabia que só ele sabia quando deveria parar. Quando isso aconteceu, com as suas consequências, fiquei à espera, preparei-lhe o regresso, como todos os outros dos Xutos, sabendo que era a única coisa a fazer, sem nervos nem recriminações”. “Passados os anos que passaram, continuo a pensar que a vida tem coisas boas, e uma delas é o Zé Pedro”, escreve.

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O baterista Kalú descreve Zé Pedro como “um excelente ser humano”. “Toda a gente, eu inclusive, sai mais rica depois de falar com o Zé”, refere no livro de Helena Reis. Numa amizade que se iniciou logo no momento em que se conheceram, três décadas antes da edição da biografia, o baterista destaca uma característica do amigo: “Não me esqueço do dia em que o Zé me disse que era muito importante fazermos coisas que marcassem a diferença, pela positiva ou negativa, mas que nunca aceitássemos a indiferença! Isso seria o nosso fim!”.

Aos olhos de Kalú, Zé Pedro “sempre funcionou como um elemento magnético” entre os membros dos Xutos & Pontapés. “Ele fez das suas fraquezas pontos fortes, mostrando-nos, pelo menos a mim, que é possível ultrapassar tudo se acreditarmos”, escreve, destacando também a resiliência daquele que via como seu “irmão mais velho”.

Gui começa por caracterizar Zé Pedro como “uma pessoa muito generosa”. O saxofonista dá conta da grande amizade entre os dois e refere a capacidade de Zé Pedro enquanto comunicador, reconhecendo o impacto que a ligação que nutria com os fãs tem na carreira da banda. “Admiro o Zé porque sabe imenso de rock’n’roll (…). O mesmo acontece com os filmes que ele conta. Entusiasma-se tanto que até eu, que já o conheço há tanto tempo, fico logo com vontade de ver os filmes. Mas quase nunca são tão bons como contados por ele”.

Além do entusiasmo recorda os momentos de juventude e das “tertúlias copofónicas”. “Passávamos horas e horas à conversa. Hoje, a vida não nos permite tanta cavaqueira e eu tenho muitas saudades dessas tertúlias, não do lado copofónico, mas das muitas conversas que tínhamos…”. Mas aos olhos de Gui, o guitarrista dos Xutos & Pontapés “também tem os seus defeitos, eu digo que o Zé é um ‘casmurro disfarçado’”, “é teimoso, mas, muitas das vezes, ainda bem que o é!”, lê-se.

João Cabeleira optou por não escrever para Não Sou o Único (ed. Presença, 2007), mas sim criar um “solo muito especial para o seu amigo”.

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