Filme imersivo de físico português (sobre matéria escura) vai passar em Espinho

Documentário faz parte da competição no Festival de Cinema Imersivo, que decorre de sexta-feira a domingo no planetário do Centro Multimeios de Espinho.

Foto
Duas galáxias a fundirem-se NASA/ESA/Hubble/B. Whitmore/Reuters

O físico João Pequenão, do Laboratório Europeu de Física de partículas (CERN) e realizador de cinema imersivo, vai estrear no próximo domingo em Portugal o filme em que apresenta a matéria escura como “uma das temáticas mais fascinantes da investigação actual”.

Produzida com tecnologia própria para projecção a 360 graus em cúpulas, a obra Fantasma do Universo integra o programa competitivo da edição de 2017 do Festival de Cinema Imersivo, que decorre de sexta-feira a domingo no planetário do Centro Multimeios de Espinho.

“O filme aborda uma das temáticas mais fascinantes da investigação científica actual: a matéria escura, [que constitui] 80% da massa do Universo e é completamente invisível”, declara à agência Lusa o cientista e realizador, que acrescenta que “nenhum telescópio ou detector pode observar as partículas que a compõem, mas os seus efeitos são óbvios na dinâmica de galáxias e macroestruturas do Universo”.

O facto de essas partículas ainda não terem sido observadas impede que a existência da matéria escura se considere efectivamente provada, mas João Pequenão está convicto: “Sabemos que ela tem que existir. Mais: julgamos que partículas de matéria escura estão aqui mesmo ao nosso lado, atravessando o nosso corpo a um ritmo de biliões por segundo, sem interagir com os nossos átomos. São então como um fantasma.”

Foto

Já em exibição em 200 planetários de 40 países e disponível num total de 16 línguas, Fantasma do Universo propõe-se contar como a matéria escura moldou o Universo actual e pode ser estudada.

Para isso, a narração foi entregue à actriz Tilda Swinton, o som foi tratado pelos mesmos Skywalker Studios que editaram o áudio da saga Guerra das Estrelas e na equipa de produção inclui-se ainda o astrofísico George Smoot, prémio Nobel da Física em 2006.

O filme de 25 minutos esteve em produção desde 2008 e começou a ser realizado em 2012, o que João Pequenão reconhece ter envolvido “demasiado” tempo, mas que justifica com a complexidade do formato de financiamento do projecto e com a difícil coordenação entre rigor científico e pertinência artística.

“Tínhamos três milhões de dólares [2,5 milhões de euros] e o dinheiro veio em grande parte dos Estados Unidos, através da Fundação Nacional para a Ciência e do Departamento de Energia, mas uma porção significativa desse orçamento era ‘em espécie’ – não era dinheiro real numa conta do banco, mas antes contribuições com valor monetário feitas por vários parceiros, como aconteceu, por exemplo, com o CERN, que contribuiu com o meu salário [relativo a este projecto específico]”, recorda.

Para a equipa que concebeu as imagens sobre os fenómenos de astrofísica abordados no Fantasma do Universo ficaram assim disponíveis apenas 500 mil dólares [420 mil euros] do orçamento global, pelo que o físico português impôs a sua metodologia própria: “Tenho uma maneira de trabalhar que evita que os cientistas controlem a criatividade dos artistas e, como director do filme, exigi autonomia artística. Falo com os cientistas, faço o plano artístico, transmito-o à equipa criativa e, depois de um rascunho, se os cientistas fizerem reparos, adaptamos a arte para que o produto final seja correto, mas ainda assim esteticamente atractivo.”

João Pequenão tem 42 anos e começou a colaborar em 2002 com o CERN (em Genebra, na Suíça), no grupo português da experiência ATLAS, um dos grandes detectores do acelerador de partículas LHC, num túnel subterrâneo na fronteira franco-suíça. Depois disso, esteve cinco anos no Laboratório Nacional Lawrence em Berkeley, na Califórnia (EUA), trabalhando na divulgação científica de experiências do CERN.

Actualmente, é coordenador no Media Lab do CERN, onde desenvolve conteúdos e tecnologias para comunicação científica, no que combina física, storytelling, computação gráfica e cenografia.

Antes do Fantasma do Universo, já dirigira em 2001 e 2002 uma série de documentários em realização tradicional sobre a participação portuguesa na experiência ATLAS. Agora, na sua estreia no cinema imersivo, afirma que o trabalho em formato “cúpula cheia” o estimula pelo que envolve de “pedagogia artística e desafio” e confessa: “Não ganhei dinheiro com isto, para além do salário normal que estava previsto no budget – e que, de facto, doei ao projecto para poder pagar a mais artistas da equipa de produção.”

Sugerir correcção
Comentar