Preservação do investimento estrangeiro travou acordo na energia

Secretários de Estado negociaram com o BE taxa sobre as renováveis pois medida não tinha implicações orçamentais. PS votou “conscientemente” a favor, não foi erro nem engano, dizem deputados socialistas. Primeiro-ministro travou o acordo e fez o PS votar depois contra.

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O primeiro-ministro travou o acorod com o BE LUSA/MANUEL ARAÚJO

A preservação do investimento estrangeiro em Portugal foi a razão que levou o primeiro-ministro, António Costa, a fazer o PS avocar a plenário, na segunda-feira, a medida que os seus secretários de Estado tinham negociado e aceitado a nova taxa sobre as renováveis proposta pelo BE.

Um responsável do Governo explicou ao PÚBLICO que a decisão de voltar atrás no acordo com o BE foi tomada ao mais alto nível no Governo, com a concordância do próprio primeiro-ministro, porque esta medida punha em perigo o investimento estrangeiro em Portugal.

“O problema é que esta medida atinge os investidores internacionais que são essenciais em Portugal, não só nos investimentos no sector energético e das energias renováveis, mas também em outros sectores com investimentos já feitos ou em negociação”, explicou ao PÚBLICO um responsável pelo Executivo, acrescentando: “Os investimentos na área foram negociados com base em boa-fé e em condições estáveis para 20 ou 30 anos, não se pode alterar as regras a meio do jogo. Além de que já estão em concretização alterações nas rendas pagas pelo Estado.”

Pormenorizando quais eram os investidores a que se referia, o mesmo membro do Governo explicou ao PÚBLICO que “alguns dos investidores nas energias renováveis são investidores e fundos essenciais para a economia portuguesa e que têm investido mesmo, por exemplo, na dívida pública”. E desabafou: “A dívida pública portuguesa tem baixado não é por obra e graça do divino espírito santo, é porque tem havido quem compre dívida portuguesa a juros mais baixos.”

Há um outro argumento que esteve em causa na decisão do primeiro-ministro: o risco de litigância em tribunais internacionais com penalização do Estado português. “Além disso, o exemplo dos outros Estados-membros onde a medida foi adoptada, como é o caso espanhol, demonstra que se abre um processo de litigância em tribunal em que o Estado espanhol tem perdido sistematicamente”, aduziu o mesmo responsável governamental.

História de um recuo

O recuo do Governo foi imposto pelo primeiro-ministro, depois dos secretários de Estado responsáveis pelas negociações terem aceitado a proposta uma vez que ela não tinha implicações orçamentais para 2018. Também por essa razão o seu chumbo posterior não põe em causa o acordo sobre Orçamento do Estado. Mas aparentemente não perceberam as implicações sobre o investimento estrangeiro e acabaram desautorizados pelo primeiro-ministro.

Tudo começou com a apresentação pelo BE na Mesa da Assembleia sexta-feira, dia 17 de Novembro, de um projecto de lei para baixar a factura da electricidade ao consumidor. Quase uma semana depois, o BE negociou com o Governo uma alteração à proposta inicial. Essas negociações terminaram na quinta-feira, dia 23, tendo daí resultado a entrega na Mesa da Assembleia de uma proposta de alteração que seria votada no dia a seguir.

A alteração do BE mereceu a concordância em negociações com o Governo que tiveram como pivô o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, e que envolveram, por exemplo, o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, e o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches. Estes concordaram com a proposta, pois além de não ter implicações orçamentais, a proposta aumentava a receita fiscal e baixava a factura de electricidade.

Na sexta-feira, no pressuposto de que o Governo tinha aceitado, Pedro Nuno Santos transmitiu à direcção do grupo parlamentar do PS a indicação de voto a favor. Só nessa tarde o Governo e nomeadamente o primeiro-ministro se aperceberam das implicações e foi pedida a avocação a plenário do projecto aprovado. O BE foi avisado no fim-de-semana.

O responsável pelo Governo ouvido pelo PÚBLICO desvalorizou a polémica posterior e sublinhou que “o BE apresentou a sua proposta de alteração na convicção de que estava aceite pelo Governo”. O mesmo membro do Governo considerou ser “normal que o BE, quando viu o chumbo pelo PS da sua proposta, em plenário aproveitasse para fazer um acto político”.

PS votou “conscientemente”

Não foi erro nem engano, ao contrário do que o próprio primeiro-ministro terá tentado fazer passar logo na segunda-feira ao início da noite no Parlamento em conversa com os jornalistas. Na sexta-feira, o PS votou “conscientemente” a favor da proposta do Bloco sobre a criação da contribuição solidária sobre as produtoras de energia renovável, garante ao PÚBLICO o deputado Fernando Anastácio que naquela altura conduzia, com Margarida Marques e Jorge Gomes (ambos ex-secretários de Estado), as votações na especialidade na Comissão de Orçamento e Finanças. A explicação para o que mudou está no Governo, acrescenta o deputado.

A proposta do Bloco teve várias versões. A primeira era mais geral e comprometia o Governo a definir, durante 2018, uma “contribuição sobre os produtores de energia actualmente isentos da contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE)”, essencialmente os das renováveis, que entraria em vigor no orçamento de 2019. Mas como teve a oposição do Governo, o partido entregou na quinta-feira uma alteração que definia já um regime específico, com a abrangência, a incidência, a taxa de 30% e as isenções.

Na sexta-feira à tarde, no início das votações, a deputada Mariana Mortágua anunciou na comissão que tinha para distribuir em papel uma alteração à proposta do Bloco carregada no sistema do Parlamento no dia anterior porque não conseguira inseri-la no sistema nessa manhã. Três horas depois, na altura da votação da proposta de alteração 329C que aditava um novo artigo 120º-A, Mortágua explicou que “houve uma pequena alteração num único número” – tratava-se apenas de especificar que a taxa seria paga “mensalmente”.

A votação, já se sabe: a norma foi aprovada por BE, PCP e PS, com o voto contra do CDS e a abstenção do PSD. Na segunda-feira, na avocação feita pelo PS, esta bancada deu a “cambalhota”, como lhe chamou Jorge Costa, chumbou a proposta do BE e apenas o seu deputado Ascenso Simões votou ao lado do BE e do PCP.

O deputado socialista Paulo Trigo Pereira, que confirma a versão de Fernando Anastácio sobre o conhecimento total do teor da proposta, entregou uma declaração de voto em que classifica esta “contribuição solidária” das renováveis de “equilibrada” e afirma que só não votou ao lado do Bloco na avocação por causa da “disciplina de voto” da bancada e questões de orçamento – que respeitou apesar do seu estatuto de independente. 

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