“Não há sardinhas jovens para se poder vir a pescar”

Anne Christine Brusendorff, secretária-geral do CIEM, organismo científico que recomendou a Bruxelas que em 2018 não houvesse captura de sardinha na costa portuguesa e em parte de Espanha, explica que daqui a um ano a avaliação até pode ser diferente.

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Ann Christine Brusendorff é secretária-geral do ICES/CIEM desde 2012 Rui Gaudêncio

A secretária-geral do CIEM – Conselho Internacional para a Exploração do Mar, o organismo que fornece a base científica para a política de pesca na União Europeia, reitera a sustentação para recomendar que não haja pesca de sardinha em 2018 na costa atlântica da Península Ibérica. O que a Comissão Europeia – que é cliente do CIEM como fornecedor científico – decide depois fazer com base nos dados, não é da responsabilidade do Conselho. Nem deve ser, advoga esta especialista em Direito do Mar. Ao CIEM cabe avaliar cientificamente a abundância de peixe no mar. “Mas a quota é para os decisores políticos”, diz Anne Christine Brusendorff, em entrevista de passagem por Portugal, no âmbito de uma conferência dos GPA - Green Project Awards.

Qual foi a recomendação definitiva do CIEM, em Outubro passado, sobre a pesca da sardinha na costa atlântica? O parecer do CIEM foi mesmo de não haver capturas?
Sim. Todos os anos, o CIEM é convidado a dar o seu parecer – isto faz parte de um acordo que tem com a União Europeia - com base no estado biológico dos stocks de peixe. E que é fornecido com base em dados – é o que chamamos de dados independentes [de fonte independente]. Vamos com os barcos e monitoriza-se a abundância de stocks de peixe. E é igualmente baseado em amostras que se tiram nos portos e na forma como se captura as sardinhas, e o que se apreende da estrutura etária das sardinhas. Com base nisto – nas informações decorrentes da pesca, da actividade dos barcos, e dos inquéritos que se faz sobre a abundância de pescado – há uma avaliação. E o que saiu dessa avaliação é que a abundância não é muito alta e que a sustentabilidade e o tamanho do stock é muito baixo. O recrutamento – os stocks de pequena dimensão [juvenis] que depois garantem a sustentabilidade da população para os anos seguintes - também estava muito baixo.

Esta é a primeira vez que dizem que não deve haver qualquer captura de sardinha no ano seguinte?
Sim. Do que tenho conhecimento, sim.

E como chegámos a este ponto de limite histórico de pesca?
Através do trabalho do CIEM tem-se uma série de tempo com um período muito longo. Tem-se a possibilidade de comparar com anos anteriores. E pode ver-se, quando se começa a olhar para a queda até agora, que se chegou aos níveis mais baixos no tamanho do stock, também relativamente ao recrutamento, das sardinhas mais jovens. Este é um dos benefícios de fazer o trabalho no seio do CIEM, e fazê-lo juntamente com Portugal [membro do CIEM desde 1920] e outros países que estão envolvidos no trabalho do Conselho: terem estas séries de muito longo prazo.

O que estamos a fazer mal: a pescar demasiado em pouco tempo; não estamos a deixar que os peixes mais jovens cresçam?
O que o CIEM analisou foram os factores biológicos. E aqui podemos ver que, biologicamente, o stock não está a crescer, está em mínimos históricos e não há sardinhas jovens para, eventualmente, se poder vir a pescar. E, como se tem uma série muito longa [de dados], também se pode ver que a mortalidade dos peixes também sofreu um decréscimo. Isso quer dizer que pode haver outros factores que podem estar a influenciar o stock de recrutamento - mas não sabemos que factores são esses. Pelo menos, o CIEM não analisou que factores podem estar a ter impacto nos stocks. É correcto pensar que, quando se diminui a pesca e a mortalidade dos peixes cai, se deveria assistir a uma reposição do stock – mas não conseguimos demonstrar isso na nossa avaliação biológica.

Mas não conseguiram porque não tinham informação suficiente ou porque Portugal não vos deu informação suficiente sobre outros factores que poderiam estar a influenciar os stocks de sardinha?
Penso que tem mais a ver com o pedido que nos é feito. E foi-nos pedido para olhar para o tamanho dos stocks, para avaliar o stock, de forma a poder dizer qual o potencial, as oportunidades de pesca para 2018. Não nos foi pedido que olhássemos para outros factores que podem afectar a dimensão dos stocks. Não posso dizer que do ponto de vista do CIEM que factores são estes, que podem ter este impacto.

Alguma vez tinham dito a um cliente que não deveria haver pesca de uma espécie de peixe por um ano, cinco, 10 anos?
Só fazemos a [análise às] oportunidades de pesca para o ano seguinte. Numa base anual. O que quer dizer que, no próximo ano, na mesma altura, com base na recolha de dados que será feita por Portugal e na recolha de dados independente sobre pesca, iremos mais uma vez avaliar o stock e ver se alguma coisa mudou no estado. E iremos emitir um novo aconselhamento que será sobre as oportunidades de pesca para 2019.

Bruxelas aceita as vossas recomendações a 100%?
Tenho que dizer que o CIEM é um organismo científico. Estamos a uma distância razoável das decisões políticas. Estamos a disponibilizar a melhor ciência possível, para os decisores políticos. Eles irão então para os seus fóruns próprios. E terão as suas discussões próprias, que é baseada na ciência que estamos a dar, mas que pode igualmente ser baseada noutras coisas. Mas há fronteiras impenetráveis entre os que é feito no CIEM e as decisões políticas.

Falando dos stocks, o governo português considera que em 2018, a pesca de sardinha pode chegar até às 14.500 toneladas. As organizações de pescadores dizem que pode ser entre 17.000 e 20.000, apesar da recomendação do CIEM. Algum destes números é realista?
Tenho que olhar para o assunto de um ponto de vista puramente científico. É preciso também perceber a forma como estamos a desenvolver este Conselho. No seio de uma plataforma onde há cientistas que vêm de outros países e que estão mesmo empenhados em assegurar que é disponibilizada a melhor informação e ciência possível, com os melhores métodos disponíveis. Há todo um processo de qualidade da avaliação que é realizado.

O papel do CIEM é “puramente” científico? Se Bruxelas, Lisboa e Madrid decidiram que os pescadores podem pescar 14.000 ou 20.000 toneladas de sardinha não consideram isso vossa responsabilidade?
Não. E é importante perceber que isso é bom – que temos todos chapéus diferentes neste processo. Nós olhamos um assunto de um ponto de vista puramente científico – queremos fornecer a melhor ciência disponível para que os decisores políticos tomem as suas decisões. Pode haver outros critérios aplicados nesse processo de decisão, mas pelo menos sabe-se que se tem a melhor ciência disponível para tomar essa decisão. E foi-nos pedido para olhar apenas para os factores biológicos. 

O CIEM não mede os reais impactos sociais e económicos das consequências que estas avaliações científicas podem ter num país ou numa região? Esse não é o vosso trabalho?
Não, nós temos uma solicitação a que respondemos. E, neste caso, não fomos solicitados a olhar para nenhuma das implicações sócio-económicas.

O que foi então especificamente solicitado ao CIEM, por Bruxelas?
O que foi pedido foi para analisar as oportunidades de pesca para 2018, de sardinha, nesta área específica.

Vai haver um Conselho de Pescas no próximo mês – é tudo com base no vosso trabalho?
Sim. É a base das decisões, quando as negociações estiverem a ter lugar, durante as sessões do conselho, durante o próximo mês.

Quando a recomendação do CIEM foi anunciada, algumas associações de pescadores disseram que era “muito radical” e um “insulto” porque não integrava a informação que eles, pescadores, tinham a partir da actividade no mar, diária. Quer comentar?
Parte do que estamos a fazer é recolher dados de áreas, em séries longas, onde vamos há muito tempo. E onde podemos ver que neste momento há sinais que o stock não está num bom estado, porque da série longa podemos ver que costumava haver uma maior abundância do stock e [agora] não conseguimos ver esta abundância. É importante que tenhamos aquilo a que chamamos independência da pesca – em que vamos a áreas sem pesca do stock, áreas onde se pode ver a abundância do stock. E não vimos isso na recolha de dados que foi feita por Portugal. Não acho que seja uma questão de não querer ser inclusivo ou transparente, é uma questão de eles quererem ver o quadro todo. E não só as imagens das áreas onde se pesca. E poder ser duro dizer isto, mas é com o objectivo de ter uma sustentabilidade de longo prazo do stock, esperando que num par de anos, ou no próximo ano – vamos ver como corre – seja possível voltar atrás e avaliar que o stock está num nível melhor.

Tem o CIEM falado com o governo português sobre este assunto?
Não.

Não? Não tem havido conversas?
Não sobre estes assuntos.

Em Julho, um outro parecer do CIEM dizia que levaria 15 anos para recuperar os stocks. Este também seria um período a rever pelo CIEM?
Essa era uma avaliação que foi feita pelo CIEM sobre o plano de gestão. E o que o CIEM disse foi que não achava o plano de gestão “precaucionário”. O que o CIEM disse então foi que o tínhamos de pôr de lado e temos que aplicar um princípio precaucionário.

Porque não tem a pesca de sardinha qualquer quota?
Continuamos a querer assegurar que se pode pescar não só no próximo ano, como nos anos seguintes. E para isso tem-se vindo aplicar estes resultados de avaliação – se, embora a mortalidade dos peixes tenha vindo a baixar, ainda temos um stock que não é realmente muito grande e não há stocks nenhuns de juvenis sobre o qual se irá criar os stocks para o futuro, então tem que se aplicar este princípio precaucionário. Tendo em conta a situação actual, o que o CIEM disse foi que não é possível ir para além desta avaliação.

Mas não seria mais “precaucionário” ter estabelecido quotas nos últimos cinco anos do que agora vir indicar um ano com zero capturas?
Isso faz igualmente parte da vontade política. Como cientistas, é-nos dada uma base específica sob a qual respondemos. E a nossa base não foi esse plano de gestão.

A implementação da quota é política, o CIEM só detém os fundamentais científicos, é isso?
Sim. É sobre como avaliamos os stocks, se há abundância de peixe, e se há juvenis que acompanhem esse nível de abundância dos stocks no futuro. Mas a quota é para os decisores políticos.

Historicamente, Bruxelas ouve com atenção as recomendações do CIEM, não?
Às vezes, sim.

Acredita que a Política Comum de Pescas irá atingir as suas metas de sustentabilidade até 2020?
Se se olhar para alguns dos pareceres que o CIEM emitiu, e se excluirmos a sardinha, o que podemos ver é que há um aumento da biomassa, e que se tem uma captura que ou está a aumentar ou pelo menos a não diminuir. E tem-se inclusivamente um decréscimo na actividade de pesca. Os stocks estão a ficar mais saudáveis. Para muitos, pode-se ver que há uma melhoria nos stocks de pesca.

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