A santanização de António Costa

Escrevo três dias por semana no PÚBLICO e nem assim consigo acompanhar todas as asneiras produzidas pelo Governo nos últimos tempos.

E a polémica do dia é… (rufar de tambores) a sessão de esclarecimento/ inquérito de opinião/ distribuição de vales de compras/ estudo quantitativo (riscar o que não interessa) do Governo na Universidade de Aveiro! Devo fazer aqui uma perturbante confissão: escrevo três dias por semana no PÚBLICO e nem assim consigo acompanhar todas as asneiras produzidas pelo Governo nos últimos tempos. Fogos parte I e parte II, Tancos partes I a XV, legionella, Panteão, professores, Infarmed, focus group, confusões com os parceiros de coligação, há de tudo um pouco e para todos os gostos.

Começa a ser tão cansativo acompanhar esta profusão de casos que talvez valha a pena tentar averiguar o porquê de eles estarem a acontecer a tamanha velocidade. Que raio se passa com António Costa? Todos os políticos cometem erros, e muitas vezes grandes erros. Decisões macroeconómicas que correm mal, leis que encontram oposição inesperada, escolhas pessoais que se revelam um desastre. Mas aqui o ponto é outro — é um surpreendente desnorte não só nos grandes acontecimentos (os fogos, Tancos) mas também nas pequenas coisas, daquelas que não matam mas moem. Ora, porque é que um político que manobrou tão bem em tempos tão difíceis, transformando uma enorme derrota eleitoral do PS numa surpreendente vitória parlamentar, desencantando uma coligação de governo na qual ninguém acreditava; porque é que esse mesmo homem, que até há seis meses parecia ter uma maioria absoluta ao alcance da mão, está agora a comportar-se, em tempos que deveriam ser fáceis, como se fosse Pedro Santana Lopes em 2005?  

Estávamos todos à espera de Satanás, Satanás não veio, e de repente sai-nos um Santanás. António Costa escapou à satanização do país, mas não à santanização de si próprio: trapalhadas, imprudências, hesitações, descoordenações sucessivas no Governo, péssimo instinto político (há acções supostamente de charme que se transformam em desastres para a imagem do Governo), um sem-fim de aselhices, como há muito não se via. E, sobretudo, como não se esperava ver em António Costa. Há um filme chamado Megamind em que o vilão perde o sentido da vida após matar o seu rival. Parece ter-se passado o mesmo com António Costa após o afastamento de Pedro Passos Coelho.

O PS teve uma enorme vitória nas eleições autárquicas e menos de dois meses depois está a apanhar os cacos da sua festa. Porquê? Uma das hipóteses é o primeiro-ministro estar a perder gás e a ficar física e psicologicamente esgotado, tal como o ministro da Educação, mas sem a parte das vertigens. Não estou a brincar. Dois anos de discussões infrenes com os seus supostos aliados (recordo palavras de Pedro Nuno Santos: “Nós temos reuniões com os partidos da coligação todos os dias”), associado à necessidade permanente de fingir que está tudo bem, deve ser brutalmente desgastante. António Costa merecia ganhar dois ordenados: um como primeiro-ministro de Portugal, outro como primeiro-ministro da “geringonça”. Desconfio que o segundo trabalho seja mais massacrante do que o primeiro.

A outra hipótese é António Costa ter concluído o programa de reversões ainda com dois anos de legislatura pela frente e agora que tem o acordo com os seus parceiros totalmente cumprido anda distraído a perguntar aos seus botões: que fazer? Dar-lhes muito mais, não pode. Reformar o país, não consegue. Fingir-se de morto, é impossível. António Costa está preso no labirinto do seu sucesso. E o país tão manietado quanto ele.

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