Sacrificar-se em prol de uma relação… benéfico ou perigoso?

Existem pessoas cujo lema de vida é abdicar de si mesmo para fazer os outros felizes. Ora, tal forma de agir nunca poderá ter resultados positivos em qualquer tipo de relação

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Warren Wong/Unsplash

Penso que todas nós, mulheres, ouvimos, uma ou outra vez na vida, provavelmente das nossas mães ou das nossas avós, que o amor exige sacrifícios. Os livros que lemos, os filmes que vemos, todas as narrativas pelas quais passamos, também difundem, de um modo geral, a ideia de que as relações exigem sacrifícios. E não me passaria pela cabeça negar esse conhecimento milenar. Para um relacionamento correr bem, seja ele amoroso ou apenas de amizade, há que aprender a fazer cedências, há que procurar esquecer que existe um “eu” e um “tu” e procurar pensar em termos de “nós”. No fundo, há que sacrificar um pouco do “eu” para se criar algo novo e maior que será o “nós”. E nada disto estaria errado, quanto a mim, se, por vezes, não levássemos tão a peito essas palavras e passássemos a encarar o viver, o amar e o gostar como uma longa viagem em que nos anulamos (a nós, aos nossos desejos e vontades) em função de um “tu” que não sacrifica nenhum pedaço de si próprio.

O facto é que nem sempre a culpa está do lado daquele que não realizou grandes sacrifícios, não abandonou grande parte das suas características em função de um “nós”. A verdade é que existem pessoas que vivem, ou sobrevivem, pautando as relações que desenvolvem por este modo de estar que é o de sacrificar-se pelos outros. O seu lema de vida é abdicar de si mesmo para fazer os outros felizes. Ora, tal forma de agir nunca poderá ter resultados positivos em qualquer tipo de relação (amor, amizade ou até profissional).

A primeira ideia que nos surge é que estes indivíduos com tendência ao sacrifício são demasiado bons para viver neste tipo de sociedade. Contudo, penso que não será bem assim. Pelo contrário, penso que são pessoas cuja companhia, a médio e longo prazo, se tornará pesada, difícil de suportar, criando uma relação nefasta que suga a energia. Vejamos:

Muitas dessas pessoas sacrificam os seus pensamentos, os seus ideais, a sua forma de ver e pensar a vida com o único intuito de evitar conflitos e discussões (isso poderia ser positivo, certo?). Porém, sabemos de antemão que, por um lado, a discussão é inevitável e que, mais cedo ou mais tarde, ela chegará (e quanto mais adiada, maior serão as proporções da mesma); por outro lado, sabemos que é da discussão que vem a luz. O facto de não partilhar as mesmas ideias, de as contrapor, leva ao surgimento de uma nova luz sobre o assunto que era debatido. Grande parte das vezes, um consenso é atingido perante este debate e esta argumentação. O facto de nada ser discutido leva a que numa relação onde deveriam existir dois seres pensantes, apenas exista um. E isso em nada é benéfico.

Por vezes o sacrifício surge com o intuito de ajudar o outro a atingir as suas próprias metas e os seus próprios objectivos. Gosta-se tanto do outro que se quer a todo o preço que ele seja feliz, ajudando-o na prossecução dos seus sonhos. Quantas vezes assistimos a isso num casal? O problema, neste caso, é que as pessoas com tendência ao sacrifício esquecem-se e anulam-se a si próprias, olvidam-se das suas próprias vontades em prol de um outro que persegue os seus sonhos. Pergunto eu: um ser que anula as suas próprias vontades, anulando-se a si próprio, simultaneamente, será uma pessoa interessante? Penso que não. A mim parece-me mais uma marioneta que tenta dançar ao som de uma música que não lhe agrada particularmente mas que é aceite apenas porque o outro a escolheu.

Por fim, verifico que essa tendência para o sacrifício vem muitas vezes acompanhada de exigências. As pessoas sacrificam-se esperando que do outro lado o outro faça o mesmo. No fundo esperam algum tipo de compensação pelo sacrifício. Encaram as relações como transacções em que dão muito para receber muito também. É claro que a maior parte das vezes não recebem na medida do que dão, não recebem à medida do sacrifício que fizeram, e por isso sentem-se frustradas. E aí chegam as acusações: “dei-te tanto e não recebi nada”, “eu dei-te tanto, não merecia isso”.

Como referi, é possível encontrar esse tipo de relação não apenas em relações amorosas, mas em quase todo o tipo de interacções sociais. Quantas vezes vemos, num casal, que um dos membros se esquece totalmente de si em função do ser amado? Quantos trabalhadores querem tanto o sucesso da empresa que se esquecem deles próprios enquanto seres humanos e com família? Quantos pais querem tanto a felicidade dos filhos que se esquecem que também eles são humanos, que também eles têm objectivos a atingir e também eles têm sonhos que querem realizar? E poderia continuar a citar exemplos.

As razões para este tipo de sacrifício podem ser muitas: um momento da vida em que se sentem mais esgotados, uma auto-estima mais reduzida, um relacionamento com uma pessoa demasiado exigente e pouco dada a sacrifícios. O certo é que o resultado será, mais cedo ou mais tarde, sempre o mesmo: pessoas cansadas, profundamente esgotadas, na medida em que dão muito e recebem muito pouco. Chega o momento em que se percebe que aquela relação baseada nos sacrifícios de apenas uma pessoa está em risco porque traz pouco de positivo para ambos. É uma relação difícil e esgotante tanto para quem se sacrifica como para o outro. E aí impõe-se a questão: de quem é a culpa? A culpa é daquele “tu” que não sacrificou nenhum pedaço de si próprio ou daquele “eu” que decidiu apagar-se, diminuir-se, em função de uma relação pouco proveitosa?

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