Tendências futuras do poder

A miopia estratégica da Europa e dos seus políticos fará dela, provavelmente, a região do mundo em maior perda relativa de poder, influência e prosperidade.

Apesar da volatilidade que condiciona os exercícios de antevisão do futuro, na verdade não podemos evitar formular uma previsão tão lúcida e fundamentada quanto possível. No fundo, gerir estrategicamente um país, uma sociedade ou uma empresa baseia-se precisamente nessa visão antecipadora. Temos que perceber quais serão os cenários mais plausíveis dentro de cinco, dez, 20 anos para, hoje, prepararmos já as respostas e as ações proactivas que assegurarão o sucesso de amanhã. A eficiência futura da nossa gestão dos negócios, da economia, do ambiente, da segurança, da política externa, da cultura, da identidade, da tecnologia, da educação e da coesão social depende, em larga medida, da inteligência com que, no presente, nos consigamos moldar e preparar para as futuras realidades. Num mundo interdependente torna-se indispensável a visão estratégica de como o contexto global está a mudar e de quais serão as realidades que se sucederão.

O mundo está a mudar radicalmente no plano demográfico. A Europa possui uma economia em declínio comparativo, perdeu os impérios coloniais que lhe conferiam um poder planetário e tem uma população que definha e envelhece enquanto a do resto do mundo explode e é jovem. Entre 1950 e 2050 (apenas um século) a população mundial terá triplicado, mas esse crescimento gigantesco ocorre fora do nosso continente. A Europa é, neste domínio, uma região cada vez menos relevante. E, contudo, há apenas um século controlava uma enorme parte da humanidade.

A explosão populacional concentra-se nos países em desenvolvimento, que são também, simultaneamente, o maior pilar do crescimento da economia internacional. Consequentemente, não só existirão muitos mais seres humanos a consumir os recursos finitos do planeta como também cada um, em média, consumirá muito mais que no passado devido ao seu progresso económico e social. O consumo crescente dos decrescentes recursos do planeta induzirá graves tensões, disputas e conflitos. Os alimentos, os minerais, o petróleo e a água serão alguns desses fatores de tensão. O crescimento da economia chinesa torna-a dependente do acesso a uma grande quantidade de recursos naturais no futuro, pelo que controlar as suas fontes se tornou numa obsessão estratégica. Os chineses lançam-se por todo o mundo adquirindo avidamente o controle de zonas petrolíferas, empresas mineiras e mesmo terra arável.

As vantagens comparativas mudam geograficamente de uns continentes para outros, deslocando o poder económico, a criação de riqueza, o emprego, o consumo e a produção de bens e serviços. Os futuros centros de criação de prosperidade serão algo diferentes dos que determinaram a economia nos últimos dois séculos. Há alguns anos, os países em desenvolvimento passaram a representar mais de metade da economia mundial.

Em cinco décadas, o PIB per capita da Coreia do Sul aumentou 57 vezes. A China é já a segunda maior economia do mundo (a primeira em PIB ppp) e ultrapassará a dos Estados Unidos nas próximas décadas. A Índia, que entretanto se tornará no país mais populoso do mundo, gerará um impacto gigantesco na economia mundial, que poucos hoje antecipam. Imensos países de média e pequena dimensão, muito atrasados até recentemente, aceleram economicamente a um ritmo impressionante. Mesmo antes da atual crise, em 2007, a economia dos países em desenvolvimento já crescia, em média, a mais de 8%, enquanto a da zona euro crescia a menos de 3%.

A ciência e a tecnologia serão cada vez mais geradas pelos Estados Unidos e por países como a China e a Índia. As tecnologias de energias renováveis são já lideradas pela China.

Enquanto a parceria entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental foi central no poder económico do séc. XX, nas próximas décadas esse centro será redesenhado pela complementaridade entre a economia norte-americana e a Ásia. A Europa continuará a ser o aliado mais natural dos Estados Unidos, inclusive pela comunhão de visões da sociedade e do mundo e por valores comuns. Mas, para os Estados Unidos, os parceiros económicos mais estratégicos serão outros. A Ásia transformar-se-á num poderosíssimo centro de produção de bens, serviços e tecnologias de ponta e será um fabuloso mercado de consumo.

Os novos centros da economia naturalmente vão assumindo um crescente poder político no mundo. Mas o poder militar continua a ser muito mais importante do que se julga. Esse poder não se exerce apenas nas operações armadas. Tem também uma enorme influência difusa em paz, pela capacidade de dissuasão perante ameaças potenciais. No plano militar, a liderança dos Estados Unidos é absolutamente avassaladora e sê-lo-á durante décadas. Países instáveis como a Coreia do Norte e o Paquistão são nucleares. Apesar da forte redução dos arsenais nucleares desde a Guerra Fria, o mundo possui cerca de 15.000 armas nucleares, muitas das quais em mãos perigosas.

A China investe fortemente no plano militar e transformar-se-á numa superpotência dentro de três-quatro décadas. Mas os Estados Unidos desenvolvem novas gerações de tecnologia de defesa enquanto quase todos os outros basicamente adquirem as atuais. Os norte-americanos inventam continuamente o futuro militar, mas a China começa também a fazê-lo. O fosso entre o poder militar dos Estados Unidos e o de todos os outros países não só é gigantesco como também aumenta diariamente. A China conseguirá reduzir esse fosso a longo prazo, mas a Europa, em relativa penúria financeira e orçamental, perde ainda mais terreno.

O fundamentalismo islâmico ainda não demonstrou, desde o 11 de Setembro, as suas capacidades para enormes atentados, mas fá-lo-á. A população da Europa inclui 5% de muçulmanos, quase todos pacíficos. Mas, por exemplo, dos muçulmanos residentes no Reino Unido 40% defende a adoção da sharia (lei islâmica) no país e um em cada 11 apoia os ataques terroristas por bombistas suicidas. Se consideramos que existe uma população de mais de 1,5 milhões de muçulmanos neste país, constatamos o assustador número de potenciais apoiantes do terrorismo. Acresce que, numericamente, a população islâmica do Reino Unido cresce dez vezes mais rapidamente que o resto da população. Devemos condenar a xenofobia, mas isso não implica que se finja ignorar riscos que se avolumam perigosamente.

Em síntese, o mundo mudará muitíssimo nas próximas décadas. A miopia estratégica da Europa e dos seus políticos fará dela, provavelmente, a região do mundo em maior perda relativa de poder, influência e prosperidade.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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