Papa evita referir-se aos rohingya publicamente

O chefe da Igreja Católica esteve reunido com Aung San Suu Kyi e deixou apelos à reconciliação e ao fim dos conflitos étnicos.

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O Papa Francisco durante o encontro com Aung San Suu Kyi Reuters/MAX ROSSI

O Papa Francisco optou por fazer um discurso cauteloso após o encontro que manteve com a conselheira de Estado do Governo da Birmânia, Aung San Suu Kyi, e não mencionou o termo “rohingya”. Porém, não deixou de falar do sofrimento causado pelo “conflito civil e pelas hostilidades”.

“As diferenças religiosas não têm de ser uma fonte de divisão e desconfiança, mas antes uma força de unidade, perdão, tolerância e da construção inteligente de uma nação”, afirmou o Papa.

O chefe da Igreja Católica disse que o povo da Birmânia “sofreu muito, e continua a sofrer, por causa do conflito civil e das hostilidades que duraram demasiado tempo e criaram divisões profundas”. “Enquanto a nação trabalha agora para restaurar a paz, a cicatrização dessas feridas deve ser uma prioridade política e espiritual absoluta”, concluiu.

A expectativa era elevada para saber se o chefe da Igreja Católica iria abordar directamente um tema considerado altamente delicado entre a sociedade birmanesa. Em causa está a perseguição feita aos rohingya, uma comunidade que faz parte da minoria muçulmana originária do estado de Rakhine, no noroeste.

Uma forte ofensiva lançada pelo Exército no Verão levou 600 mil rohingya a fugir para o vizinho Bangladesh, deixando os campos de refugiados à beira do colapso. A violência da operação militar foi descrita pelas Nações Unidas como um “exemplo perfeito de limpeza étnica”.

Num país de maioria budista, mas muito dividido etnicamente, os rohingya não têm sequer direito à cidadania e a utilização do termo com o qual se identificam é muito desencorajada. As autoridades birmanesas referem-se aos rohingya como “imigrantes ilegais bengalis”, justificando desta forma a recusa em conceder-lhes direitos básicos.

Para além da instabilidade em Rakhine, a Birmânia enfrenta vários conflitos armados noutros pontos do país, alguns dos quais duram há quase meio século.

Desafio diplomático

Era este o dilema com o qual Francisco se deparou assim que aterrou em Rangum, na segunda-feira, para a primeira visita de um Papa à Birmânia, que tem uma população católica de apenas 700 mil pessoas num total de 55 milhões de habitantes. O próprio cardeal birmanês, Carles Bo, fez um apelo directo ao Papa para não utilizar o termo rohingya durante a visita, sob pena de despertar uma reacção violenta por parte das franjas mais radicais da população budista.

Por outro lado, o mundo está cada vez mais atento ao drama dos rohingya, divididos entre a perseguição na Birmânia e a recusa de reconhecimento nos países para onde fogem, como o Bangladesh. O próprio Francisco chegou a referir-se aos “irmãos e irmãs rohingya” nas suas orações.

Porém, o Papa optou por seguir os conselhos da própria Igreja Católica na Birmânia, evitando nomear publicamente o tema dos rohingya. As declarações de Francisco aconteceram após um encontro com Suu Kyi, a líder de facto do primeiro Governo composto parcialmente por civis na Birmânia desde a independência.

Nas últimas décadas, a luta de Suu Kyi contra o controlo militar do país conferiu-lhe um estatuto de defensora dos direitos humanos à escala global – em 1991 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz, quando estava sob prisão domiciliária. Porém, são muitas as vozes, até de outros galardoados com o Nobel, que criticam o seu silêncio e inacção em relação aos abusos cometidos sobre os rohingya.

Na declaração que fez após o encontro com Francisco, Suu Kyi também não referiu os rohingya, mas admitiu que a situação em Rakhine “captou fortemente a atenção do mundo”. As suas palavras sobre o conflito voltaram a ser vagas, dizendo que “questões sociais, económicas e políticas minaram a confiança e a compreensão, a harmonia e a cooperação, entre as diferentes comunidades em Rakhine”.

Apesar de alguns progressos democráticos nos últimos anos – que abriram o caminho para as primeiras eleições livres em 2015 –, o Exército continua a deter grande poder sobre a política do país e muitos analistas duvidam da capacidade efectiva de Suu Kyi e do sector civil governamental de controlarem as suas acções.

Na véspera, Francisco teve uma breve reunião com o líder militar birmanês, o general Min Aung Hlaing, que garantiu que “não existe discriminação religiosa”. Na quinta-feira, o Papa parte para o Bangladesh, onde tem encontro previsto com um grupo de refugiados rohingya, no âmbito de um encontro inter-religioso.

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