EUA denunciaram uma falsa embaixada no Gana, mas a história não era bem assim

Há um ano, a notícia deu a volta ao mundo. Porém, uma investigação do The Guardian desmente agora Washington.

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A alegada falsa embaixada norte-americana no Gana
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A alegada falsa embaixada norte-americana no Gana Departamento de Estado dos EUA

Há cerca de um ano, a 2 de Novembro, o Departamento do Estado dos Estados Unidos revelou que fechou uma falsa embaixada norte-americana na República do Gana. A notícia teve repercussão mundial - foi avançada pelos media locais e citada por jornais e agências de notícias de todo o planeta, inclusive pelo PÚBLICO -, baseando-se no comunicado divulgado pelo Governo dos EUA. Porém, nesta terça-feira, numa longa reportagem, o jornal britânico The Guardian desmente a veracidade da informação dada pelo Govcerno americano. E relata aquilo que diz ser a verdadeira história da falsa Embaixada dos EUA no Gana.

Na altura, os EUA disseram que uma rede de criminosos operou durante mais de uma década na capital ganesa, disponibilizando vistos e outra documentação falsificada, a troco de seis mil dólares (cerca de 5600 euros). A página (ainda acessível) do Departamento de Estado norte-americano apresentava não só uma descrição pormenorizada do local e de todo o processo que teria levado ao encerramento da falsa embaixada, como também anexava imagens dos documentos apreendidos e do local onde a alegada falsa embaixada norte-americana tinha morada, um edifício de paredes cor-de-rosa. Washington afirmou ainda que tinham sido feitas detenções.

No dia em que a história foi publicada, Seth Sewornu, responsável pela unidade de Vistos e Fraude de Documentos do Gana recebeu inúmeras chamadas a propósito do caso. Uma delas era do director do departamento de investigação criminal, diz este responsável ao The Guardian.

“Recebi chamadas da BBC, da CNN e de polícias”, relata, acrescentando que também a Embaixada da Holanda ligou (uma vez que o Departamento de Estado dos EUA falava também de uma falsa Embaixada da Holanda). Mas Sewornu não tinha conhecimento de qualquer investigação.

Além disso, a unidade do país citada pelos EUA não existe. Sewornu contactou um membro da verdadeira Embaixada dos EUA no Gana que afirmou também desconhecer qualquer investigação e negou ter sido contactada a propósito de uma falsa embaixada.

O repórter do The Guardian visitou os dois edifícios citados pelo Departamento de Estado, o tal edifício cor-de-rosa onde funcionaria a falsa embaixada e uma loja de venda de vestidos nas imediações. Em ambas, falou com os proprietários, que afirmam ter tomado conhecimento do caso através das notícias que circularam.

De quem é o edifício?

Susana Lamptey, uma das proprietárias do edifício, estava sentada em frente ao prédio, falou com o jornalista e contou que a propriedade foi construída pelo avô, algures entre os anos 20 e 30. A casa foi herdada pelos oito filhos e foi dividida em apartamentos que estão agora arrendados. Susana garante que o prédio nunca foi objecto de investigação e que se deslocou até à polícia local, quando soube da notícia, para esclarecer a situação. Lá ter-lhe-á sido dito que não havia nada com que se preocupar. Nos dias seguintes foi questionada por jornalistas e terá negado sempre a história. “Se houvesse alguma embaixada norte-americana nesta casa, por esta altura já todos estariam nos EUA”, nota a proprietária, que se candidatou a um visto norte-americano em 2016 – e que lhe foi recusado.

Documentos encontrados noutro edifício

Lloyd Baidoo foi o autor da fotografia utilizada pelo Departamento de Estado norte-americano. Conta que fotografou o prédio depois de ter recebido informações que denunciavam a prática de fraude naquele edifício. Detective da polícia em Accra, Baidoo relata que foi com mais um agente ao local para verificar as informações que lhe chegavam, mas não encontrou qualquer indício que confirmasse as suspeitas.

Na mesma semana recebeu outra denúncia, mas agora em relação ao apartamento de um homem chamado Kyere Boaky. Desta vez, porém, a informação parecia estar correcta. No apartamento foram encontrados passaportes do Gana e vistos de entrada nos Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul, Quénia, China e Irão. A equipa constituída por membros da Embaixada dos EUA, agentes e pelo Departamento de Segurança do país encontrou material de produção das falsificações e foram detidos três suspeitos: Kyere Boakye, Benjamin Ofosu Barimah e Jeffery Kofi Opar. Foram acusados de fraude e posse de documentos falsificados. Um mês depois, foram soltos, depois do pagamento da fiança. Não se tratava de uma “embaixada falsa”, mas de uma rede de falsificação.

Quando a história foi publicada no site do Governo norte-americano, Baidoo foi transferido para outro departamento. Desde então o caso ficou pendente devido a burocracias judiciais. Baidoo sublinha ainda que os materiais publicados pelo Governo dos EUA pertenciam à sua unidade de investigação, inclusive a fotografia que tinha tirado ao prédio. Já as imagens dos passaportes correspondem à documentação apreendida no apartamento de Kyere Boaky, acrescenta Baidoo.

Contactado pelo The Guardian, o Governo norte-americano remeteu todas as questões para o Governo do Gana, que, por sua vez, se manteve em silêncio

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