Enchente aqui, enchente ali, a despedida do Vodafone Mexefest

Na última noite do festival Moullinex fez a muito dançante festa no final, depois de uma noite marcada pelas enchentes para ver Cigarettes After Sex, Sevdaliza ou Liars.

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Os Cigarettes After Sex eram uma das bandas mais aguardadas da noite Rui Gaudêncio
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Sevdaliza foi responsável por uma fila imensa estendida desde a entrada do São Jorge Rui Gaudêncio
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Sevdaliza foi responsável por uma fila imensa estendida desde a entrada do São Jorge Rui Gaudêncio
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Coube a Moullinex encerrar o festival com um verdadeiro festim dançante Rui Gaudêncio
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Coube a Moullinex encerrar o festival com um verdadeiro festim dançante (na foto, o baterista Diogo Sousa) Rui Gaudêncio
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Coube a Moullinex encerrar o festival com um verdadeiro festim dançante (e Ghetthoven tratou de agitar o público) Rui Gaudêncio
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O público no Coliseu dos Recreios Rui Gaudêncio
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Os Liars de Angus Andrew mostraram uma vitalidade contagiante na Estação do Rossio Rui Gaudêncio
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Os Liars de Angus Andrew mostraram uma vitalidade contagiante na Estação do Rossio Rui Gaudêncio
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Allen Halloween, nome imprescindível do rap português, no Capitólio Rui Gaudêncio
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Allen Halloween, nome imprescindível do rap português, no Capitólio Rui Gaudêncio
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Julia Holter deixou um Tivoli em silêncio para a ouvir Rui Gaudêncio
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Julia Holter deixou um Tivoli em silêncio para a ouvir Rui Gaudêncio
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Paulo Bragança continuou a sua reaparição, agora na Casa do Alentejo Rui Gaudêncio
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Paulo Bragança continuou a sua reaparição, agora na Casa do Alentejo Rui Gaudêncio
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O público do festival no Coliseu dos Recreios Rui Gaudêncio
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O público do festival no Coliseu dos Recreios Rui Gaudêncio
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As Sopa de Pedra levaram as suas polifonias vocais e temas tradicionais à Casa do Alentejo Rui Gaudêncio

São 23h30 e não há dúvida. É certo que os bancos da Avenida da Liberdade já amparam alguns que, esgotados da noite de muito andar, ou simplesmente desejosos de uns momentos de pausa, conversam e bebericam, mas não pode haver dúvidas que a maioria do público do Vodafone Mexefest, àquela hora do segundo e último dia de festival, sábado, quer ver Sevdaliza, a iraniana chegada à Holanda com cinco anos, cujo álbum de estreia, Ison, transformou em fenómeno – a fila que se estende desde a entrada do São Jorge e que se perde de vista Rua do Salitre acima não engana.

É meia-noite e não temos como duvidar. É certo que já há quem esteja no Coliseu dos Recreios a guardar lugar para a festa final com início marcado para dali a meia-hora, quando Moullinex e sua banda subirem a palco para interpretar Hypersex, o álbum que editou recentemente e que é também celebração da história e cultura da(s) música(s) de dança. É certo que isso sucede, mas subindo as escadas rolantes da Estação do Rossio, deparamo-nos com um magote de gente. Outra maioria do Vodafone Mexefest está a tentar chegar ao belíssimo terraço, chamemos-lhe assim por facilidade, com vista para o Castelo de São Jorge, onde os Liars de um Angus Andrew impecavelmente vestido com camisola de alças (branca), tutu de bailarina (branco igualmente) e botifarra punk (preta, para contraste), mostra como se manter um mestre da agitação e do tumulto rock (e pós-punk, e tudo o que intermedeia os dois) tanto tempo depois – 16 anos separam o álbum de estreia do mais recente TFCF e Angus é o único sobrevivente da formação original, mas a vitalidade mantém-se inalterada.

Enchente aqui, enchente ali, como seria de esperar perante a lotação esgotada, o último dia de Vodafone Mexefest continuou como tinha começado na sexta-feira. Ou seja, com cada um a dividir-se entre várias salas e diferentes músicas, criando a diversidade de roteiros pessoais de que se faz este festival.

Ainda assim, haverá certas paragens em comum no roteiro de grande parte dos espectadores. No Coliseu dos Recreios, muito antes das 21h, já se esperava a chegada dos americanos Cigarettes After Sex, e foi perante uma sala lotada que a banda que editou este ano o álbum homónimo, selar definitivo do estatuto “caso sério de culto” – primeiros sinais em Paredes de Coura há dois anos, quase confirmação na edição 2017 do Primavera Sound portuense -, apresentou as suas canções a preto e branco, como a preto e branco eram a maioria dos rostos femininos e dos céus trovejantes projectados durante o concerto.

A banda de Greg Gonzalez vive num ambiente apenas e não se desvia dele por um segundo: são dores e ansiedades do coração murmuradas entre teclados ambientais e guitarra etérea, unindo o intimismo dos Red House Painters, a folk eléctrica dos Mazzy Star e o romantismo clássico de um Chris Isaak convertido às reverberações shoegaze. Canção após canção, Keep on loving you após K., dá-se o reconhecimento dos primeiros acordes e dos primeiros versos. Canção após canção, vemos os Cigarettes After Sex, banda mais aguardada da noite, a tocar a única canção que conhecem.

Horas depois, naquele mesmo palco, e já depois de os ingleses Everything Everything terem ali dado um concerto, diziam-nos mais tarde, que foi seguido por um público de passagem antes de procurar outros cenários, Moullinex e sua banda ofereciam aos corpos que enchiam o Coliseu uma derradeira possibilidade de libertação. Com um extraordinário baterista, Diogo Sousa, infindável torrente de ritmo, com Ghetthoven, vocalista, dançarino, agitador na boca de cena em mil passos de dança e outras tantas indumentárias (calções de pugilista reluzentes, vestido vermelho à Dama de Xangai, capa de super-herói soul), com uma keytar (o teclado-guitarra) para evocar os anos 1980 e Da Chick com a energia habitual, tivemos direito à viagem completa de Hypersex: o P-funk fez-se house, o techno encontrou o balanço de Prince, o disco-sound partiu para galáxias psicadélicas e o público dançou e dançou e dançou. Na despedida, dançou sempre, como se impõe num fim de festa, como exigia o horário ideal para extravasar as horas de boémia.

Na memória do segundo dia, ficava, do nosso roteiro, obrigatoriamente incompleto, a forma como Julia Holter despiu a sua música para que a sua voz e piano, e o tapete sonoro do órgão que os acompanhou, enchesse um Tivoli caído em silêncio para a ouvir. Ficava a certeza de que Allen Halloween, no Capitólio repleto de um público que lhe conhecia todas as rimas de todas as canções, da estreia Projecto Mary Witch a Híbrido, na sua inconfundível voz funda, é um dos mais importantes cronistas da música portuguesa do nosso tempo (nele, a realidade exposta sem reticências).

Enquanto no Coliseu Moullinex punha o público a agachar-se, antes de um salto que o libertasse para que a dança continuasse, lembrávamos as polifonias das Sopa de Pedra na Casa do Alentejo e a forma como dão nova vida à tradição popular portuguesa recolhida em cancioneiro intemporal. Guardávamos, da infelizmente rápida passagem pela Garagem Epal, o glam de rosto pintado (e brilhante), ataque lo-fi e fragilidade tornada força, de Vaiapraia e as Rainhas do Baile. Garantiam-nos que a neo-zelandesa Aldous Harding tinha conquistado a plateia no São Jorge como cantautora de fantasmagorias e pose enfeitiçada (as canções de Party, álbum editado este ano, não nos deixam duvidar) e pensávamos quanto demorará até que Sevdaliza, performer que não deixou ninguém indiferente, autora de música feita da hibridez dos nossos tempos, regresse a este país em que se descobriu fenómeno.

A madrugada avançava, o Coliseu estava repleto e, na Avenida da Liberdade e nas artérias adjacentes, a deambulação continuava enquanto funcionários municipais decoravam as árvores para o Natal que aí vem. Começava a despedir-se oficialmente o Vodafone Mexefest. 

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