A tradição “trazida até nós, aos que estão aqui hoje”

As Sopa de Pedra levaram ao Vodafone Mexefest o impacto intemporal da música popular portuguesa

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O grupo apresentou no festival o álbum de estreia, Ao Longe Já Se Ouvia Rui Gaudêncio

Há hip hop, fado e rock’n’roll, há electrónica, pop, cantautores e música híbrida de tudo isto, numa variedade que é parte do Vodafone Mexefest desde o seu início. Ainda assim, menos habitual será ouvir nele uma polifonia de vozes unidas para cantar o labor das tecedeiras, para cantar a morte pressentida em Já os galos cantam. Menos habitual será ouvir algo como aquilo que as Sopa de Pedra, grupo feminino de dez elementos, nascido no Porto, levou domingo à Casa do Alentejo, um dia depois de Os Camponeses de Pias ali terem feito ouvir Cante alentano.

A música das autoras de Ao Longe Já Se Ouvia, álbum de estreia editado em Outubro, pode ser pouco habitual num festival dedicado às sonoridades urbanas que marcam o presente, mas não há razão alguma para que a vejamos como alienígena neste conceito.

Depois do concerto, nos bastidores do salão da Casa do Alentejo, Sara Yasmine, Mariana Gil e Teresa Campos explicam aquilo que sentimos ao ouvi-las: a intemporalidade dos versos cantados, retratos da natureza humana, e a intemporalidade das melodias. “Interpretamos e trazemo-las para o nosso tempo, não cantamos coisas com as quais não nos revemos”, dizem ao PÚBLICO,  explicando que, naturalmente, há no cancioneiro temas que se perdem, marcados pela passagem do tempo.

Ao Longe Já Se Ouvia, onde convivem reinterpretações de temas tradicionais da Beira Baixa, Trás-Os-Montes ou Açores, mas também de José Afonso, Amélia Muge ou do grupo Capagrilos, nasceu com a mesma naturalidade com que o grupo se foi desenvolvendo. “O clique não veio de nos organizarmos para fazer uma banda, preparar um repertório e ajudar a reavivar e a recuperar [o cancioneiro tradicional]. Foi uma consequência de isto estar presente nas nossas vidas, de formas diferentes”.

No salão da Casa do Alentejo, Paulo Bragança canta o seu fado, esse que abraça sons do Leste europeu ou do flamenco. Enquanto chega até nós o som do contrabaixo e o trinado das guitarras, as Sopa de Pedra falam-nos de como o objecto que lançaram agora (CD em caixa de madeira) se liga intimamente com aquilo que pretendem que seja também a sua música. “O que significa lançar um CD hoje em dia, quando o CD está a desaparecer, como estão a desaparecer as tecedeiras? No interior incluímos fotografias de antepassados nossos, trabalhadas e manipuladas para serem como a música”. Ou seja, “trazidas até nós, aos que estão aqui hoje”. Exactamente o que fizeram com a música que nos cantaram no Vodafone Mexefest. 

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