E a Tecnoforma? Não falas da Tecnoforma?

Eu falo da Tecnoforma com todo o gosto. Mas notem bem, queridos leitores de esquerda: não confundo uma formiga com um elefante.

Desde que José António Cerejo assinou no PÚBLICO um novo artigo sobre o caso Tecnoforma (“Comissão Europeia e Ministério Público chegaram a conclusões opostas no caso Tecnoforma”) que os meus queridos leitores de esquerda não têm parado de me azucrinar. Se escrevo sobre os professores, perguntam-me nas caixas de comentários: e a Tecnoforma? Se escrevo sobre o Infarmed, perguntam-me no Facebook: e a Tecnoforma? Suponho que se hoje escrevesse sobre a performance de Ronnie O’Sullivan no open da Irlanda do Norte também me iriam perguntar pela Tecnoforma.

Portanto, este texto entra na categoria de discos pedidos, embora com uma nuance importante, à qual chegarei mais à frente. Em primeiro lugar, um lamento. Diria que por esta altura os meus queridos leitores já deveriam ter percebido que estou bastante ciente – não é um pensamento particularmente original – de que uma aldrabice é uma aldrabice, quer tenha sido praticada por um militante do PS ou do PSD, e que um corrupto é um corrupto, quer tenha cartão laranja ou cor-de-rosa. Escrevi mais do que uma vez sobre o caso Tecnoforma desde que surgiu em 2013, e não tenho a menor dúvida de que Passos Coelho se embrulhou em explicações manhosas, nem de que a Tecnoforma, mais o Centro Português para a Cooperação, se envolveram em esquemas criativos para sacar umas massas aos fundos da União Europeia. Também tenho fortes suspeitas, tendo em conta a percentagem louca de fundos do programa Foral que foram parar aos bolsos da empresa, que Miguel Relvas, enquanto secretário de Estado da Administração Local (2002-2004), poderá ter desempenhado o costumeiro papel de “facilitador” nesse processo.

Aquilo que já não é fácil de perceber, e muito menos provar, é até que ponto esses esquemas (refiro-me aos concursos em si, e não ao carrossel financeiro da empresa e às manipulações de custos também denunciados por Cerejo no seu artigo) eram efectivamente ilegais, ou se seriam apenas imorais. Quer dizer: estourar fundos a ensinar funcionários camarários a operar em aeródromos e heliportos vazios seria sempre uma absoluta e inadmissível vergonha – só que pode ser uma vergonha sustentada por concursos legais. Mais. Como ninguém acusou Miguel Relvas de sacar dinheiro para o seu próprio bolso, o único crime que lhe poderia ser imputado era o de abuso de poder, crime esse que está prescrito desde 2009. Portanto, o resumo do caso Tecnoforma é este: uma enorme trapalhada que atingiu Passos Coelho, acabou com a sua fama de governante absolutamente impoluto, e em relação ao qual nunca apresentou boas explicações.

Mas agora vem a nuance final, que não pode ser esquecida. Mesmo tendo Passos Coelho esta nódoa no currículo, não é minimamente aceitável quaisquer comparações com Sócrates, Dias Loureiros e companhia limitada. Não existem virgens em política, nem ninguém chega a primeiro-ministro sem fechar os olhos a muita coisa. Mas os políticos não são todos iguais. A Tecnoforma não é uma mini-Operação Marquês. Por muitos pecadilhos que Passos Coelho possa ter cometido, não é intelectualmente honesto confundi-lo com a tralha socrática. Foi graças a Passos e a Paula Teixeira da Cruz que voltámos a ter um Ministério Público independente. Foi graças a Passos e a Maria Luís Albuquerque que o BES caiu com estrondo e o estado do regime ficou exposto diante de todos. Eu falo da Tecnoforma com todo o gosto. Mas notem bem, queridos leitores de esquerda: não confundo uma formiga com um elefante.

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