Ataque no Sinai expõe fracasso da estratégia antiterrorismo de Sissi

Operações militares na península e repressão dos dissidentes não travam avanço dos jihadistas. Procuradoria diz que homens que atacaram mesquita empunhavam bandeira do Daesh.

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Um sobrevivente retira sapatos deixados pelos crentes junto à mesquita AHMED HASSAN/EPA
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Sissi prometeu esmagar com força "brutal" os terroristas Reuters

Os jihadistas que sexta-feira mataram mais de 300 pessoas, incluindo 27 crianças, numa mesquita no Norte da Península do Sinai dispararam contra crentes que seriam na sua maioria seguidores do sufismo, uma corrente mística do Islão que os extremistas vêem como apóstatas. Mas o alvo último daquele que depressa se tornou o pior atentado da história moderna do Egipto é Abdel Fattah al-Sissi, o general que há quatro anos assumiu o poder com a promessa de  derrotar o terrorismo.

O ataque na pequena cidade de Bir al-Abed ainda não foi reivindicado, mas apesar da mão cheia de organizações jihadistas instaladas na planície desértica – terreno fértil apenas para os tráficos, seja de armas ou seres humanos – as suspeitas recaem sobre o Wilayat Sinai (Província do Sinai), grupo que se diz filiado no Daesh. Os atacantes “eram entre 25 e 30, transportavam a bandeira do Daesh e posicionaram-se em frente à porta e às 12 janelas [disparando] com armas automáticas” sobre os fiéis que tentavam fugir em pânico, adiantou a procuradoria egípcia, citando sobreviventes.

Várias outras pistas apontam para o grupo que, ao contrário de outros mais próximos da Al-Qaeda, não tem como principal alvo os militares e as forças de segurança enviadas por Sissi para o Sinai. No último ano, reivindicou uma dezena de ataques contra cristãos coptas, minoria a quem se refere como “infiéis”, incluindo contra duas igrejas em pleno domingo de Ramos, levando o Governo a estender a todo o país o estado de emergência que vigorava no Sinai desde 2014. E os sufis estavam há já algum tempo na sua mira – a Al-Jazira recorda um vídeo divulgado no ano passado pela propaganda do grupo com a alegada execução de um líder religioso desta corrente do islão, vistos como um alvo legítimo pelos radicais sunitas.  

Sissi, que recebeu condolências e garantias de solidariedade de todos os pontos do globo prometeu retaliar com força “brutal” contra os radicais. Ainda na sexta-feira a Força Aérea anunciou ter atacado esconderijos e veículos supostamente usados pelos envolvidos no ataque em Bir al-Abed, sem revelar mais detalhes sobre os resultados da operação.

Um terreno fértil para o Daesh

Mas o ataque expõe uma vez mais – e com a força de um número inédito de mortos – o fracasso da estratégia antiterrorista de Sissi e da sua recusa em reconhecer que o Daesh encontrou no Sinai um terreno fértil para se implantar, ao mesmo tempo que o "califado" proclamado por Abu Bakr al-Baghdadi ia colapsando.

“Enquanto outras ‘províncias, como as da Líbia e da Argélia, foram quase eliminadas, o Daesh ganhou no Egipto uma poderosa capacidade de actuação”, escreve o correspondente em África do jornal britânico Guardian. Jason Burke sublinha que a violência no Sinai tem causas anteriores à chegada de Sissi ao poder – a instabilidade que se seguiu à revolução de 2011 criou um vazio de segurança na região e há décadas que a população beduína se revolta contra a marginalização a que foi votada – “mas a forma brutal e desastrada dos esforços de contra-terrorismo dos últimos anos não ajudou” a resolver o problema.

Robert Fisk, veterano correspondente de guerra do Independent, recorda que a “suposta batalha” de Sissi contra o terrorismo serviu de pretexto para o esmagamento da Irmandade Muçulmana, com milhares de detenções, incluindo do ex-Presidente Mohamed Morsi. “E há mais de um ano que o Exército usa bombardeamentos aéreos contra a rebelião – num padrão que se assemelha de forma sombria ao início da guerra civil na Síria”.

Em Maio, na mesma altura em que o Daesh multiplicava os seus ataques pelo país, a Al-Jazira dava conta do férreo bloqueio imposto pelo Exército à península do Sinai, não hesitando em “criminalizar qualquer jornalista que se desvie da narrativa oficial” – a de que as operações na região estão a ser bem-sucedidas, justas e até heróicas. “O Governo quer que os egípcios e a comunidade internacional acreditem que a rebelião no Sinai está completamente sob controlo”, noticiava a estação, cujo ramo egípcio foi fechado por Sissi após o golpe militar de 2013.

“A via ultrarepressiva escolhida pelo marechal para restaurar a calma e relançar a economia após dois anos de caos revolucionário provocou o resultado inverso”, escrevia o jornal Le Monde em Abril, enquanto a Reuters sublinhava que a série de ataques é um golpe para um Presidente que alicerçou a sua reputação na segurança, numa altura em que prepara a sua mais do que provável recandidatura nas eleições de 2018.

Fisk acredita que depois de Bir al-Abed o Egipto irá receber ainda mais ajuda militar dos países ocidentais – “expedições como a que fez a França no início deste mês vão sem dúvida repetir-se” – e não hesitará em redobrar a repressão sobre os adversários. “O massacre do Sinai foi o mais sangrento da actual guerra dos islamistas contra o Governo do Cairo. Mas não será o último.”

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