Quotas. Quanto custa manter a desigualdade de género?

Apesar do rótulo que a lei 62/2017 traz, ela é apenas um passo necessário, mas não suficiente para mudar o paradigma da desigualdade de género no nosso país

A Lei 62/2017, aprovada pelo Governo em janeiro, pela Assembleia da República em junho e promulgada em julho deste ano, entra em vigor em 1 de janeiro de 2018. Esta lei introduz uma “representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa”.

Enquanto que, no setor público, pelo menos 33,3 % dos indivíduos de cada sexo devem ser designados para cada um dos órgãos a partir da primeira assembleia geral eletiva após 1 de janeiro de 2018, as empresas cotadas em bolsa podem alterar, de forma faseada, essa mesma proporção, não podendo ela ser inferior a 20% em 2018 e a 33,3 % em 2020.

Esta lei tem a mesma finalidade que a Lei da Paridade promulgada em 2006 - ambas as iniciativas visam uma participação equilibrada do género na sociedade Portuguesa.

De acordo com dados do Instituto Europeu para a Igualdade do Género, 35,2% dos membros do parlamento nacional são mulheres, valor acima da média da União Europeia, que se situa nos 29.4%. No entanto, apenas 15,5% dos presidentes, membros do conselho de administração e representantes dos trabalhadores de 18 das 20 empresas do PSI 20 são mulheres, valor que contrasta negativamente com a média das empresas cotadas em bolsa na UE, que se situa nos 24,6%.

Naturalmente, espera-se que a Lei 62/2017 faça aumentar a representação de mulheres para um valor acima dos 33,3%. No entanto, duas questões (entre outras) ficam por responder. Trará esta imposição consequências negativas para as entidades abrangidas? Será alcançada a tão apregoada igualdade de género em toda a hierarquia das mesmas entidades?

Como exercício de reflexão, indaguemo-nos sobre as consequências que semelhantes quotas tiveram noutros países Europeus. Islândia (2013), França (2014), e Alemanha (2016) contam agora com uma representação de 43,7%, 42,1% e 29,7%. Contudo, pouco tempo passou para que estudos sobre os efeitos das quotas possam ser realizados.

Pelo contrário, há vários estudos referentes à pioneira Noruega, que em 2003 introduziu uma quota de 40% nos membros do conselho de administração em empresas públicas, em vigor a partir de julho de 2005, onde perto de 600 empresas foram abrangidas. Dois dos quais, mostram que também existem consequências negativas que devem ser consideradas.

Num estudo publicado em 2012 pelos investigadores Kenneth Ahern da University of Southern California e Amy Dittmar da University of Michigan alegaram que a quota imposta pelo governo Norueguês causou uma significante queda no valor das ações das empresas abrangidas, bem como na sua performance financeira. Os autores argumentam que esta imposição levou a um aumento de membros mais jovens e menos experientes nos conselhos de administração e, posteriormente, a aumentos na dívida e à deterioração na performance operacional.

Contrariamente, estudos realizados usando dados de outros países como a China, Alemanha, Itália e Estados Unidos, mostram outra realidade em períodos onde não havia quotas impostas. Os investigadores Yu Liu, Zuobao Wei e Feixue Xie da University of Texas concluem que, entre 1999 e 2011, a presença de mulheres nos quadros de grandes empresas públicas chinesas teve um impacto positivo na sua performance operacional.

Aparentemente, deixar as empresas ajustar naturalmente o número de mulheres executivas traria resultados mais positivos para a robustez financeira das empresas do que a imposição de quotas, embora traga resultados menos imediatos no que toca à representatividade de género.

Ainda relativamente à Noruega, um estudo realizado pela investigadora Marianne Bertrand da University of Chicago mostra que, além do aumento esperado na participação feminina nos conselhos de administração das empresas norueguesas, as diferenças salariais entre géneros diminuíram. No entanto, essa convergência salarial não ocorreu nos quadros intermédios e inferiores, mas apenas nos quadros superiores dessas empresas. Contrariando assim o argumento de que mais mulheres nos conselhos de administração de empresas públicas possam promover maior igualdade de género dentro das mesmas.

Pessoalmente, acredito que medidas com foco na educação e na transmissão de valores como a equidade, e com foco na diminuição da discriminação no mercado laboral, como é o caso da lei 133/2015, são necessárias para alcançarmos mais rapidamente a igualdade de género.

Apesar do rótulo que a lei das quotas traz, ela é apenas um passo necessário, mas não suficiente para mudar o paradigma de desigualdade dentro de Portugal. No entanto, é esperado que ela cause um impacto positivo e deve ser vista como um grande passo nesta caminhada em prol da igualdade de género.

 

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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