Onde estão os engenheiros florestais para apoiar o combate aos fogos?

Os poucos alunos que chegam à UTAD querem contribuir, até 21 de Março, com propostas para tirar a floresta do sarilho em que se encontra.

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Mais de um quarto da área ardida este ano tinha sido afectada pelos fogos de 2003 a 2005 Adriano Miranda

A floresta portuguesa está em sarilhos? Os fogos e a seca deste ano dizem-nos que sim, e os especialistas corroboram-no, e quando se fala de uma floresta em sarilhos, é de um país em sarilhos de que se fala também. Um país em que se continua a “desperdiçar o conhecimento acumulado em gestão florestal”, que não “entra” na estratégia de combate aos fogos, queixou-se o especialista em uso controlado do fogo António Salgueiro, num debate perante alguns, poucos, estudantes de engenharia florestal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A instituição resiste a fechar um curso “essencial” para salvar o que resta da floresta portuguesa, apesar da escassez de candidatos.

Este ano entraram oito alunos no curso de engenharia florestal da UTAD. São mais do que os três de 2016, mas continuam a ser demasiado poucos para a área de floresta existente no país - e principalmente para garantir a gestão que não tem sido feita destes espaços. Antigo aluno deste curso e responsável, no início da década, pela experiência do Grupo de Análise e Uso do Fogo (GAUF), António Salgueiro assume que neste momento nem haverá no país pessoas suficientes com formação na área para participar no dispositivo nacional de prevenção e combate aos incêndios florestais proposto pelo grupo de especialistas que analisou o caso de Pedrógão Grande, do qual fez parte.

Convidado para o primeiro de vários debates sobre a floresta portuguesa organizados pelos alunos do seu antigo curso da UTAD - e que há-de redundar, a 21 de Março, com a apresentação de um conjunto de propostas ao Governo -  Salgueiro deixou um aviso: “Enquanto não conseguirmos entrar no combate aos incêndios, vai continuar tudo na mesma”. Palavras de quem não acredita em conhecimento guardado nas prateleiras da academia, de quem, no terreno, teve nos GAUF - o “maior desafio” da sua vida profissional.

Salgueiro, como o antigo director dos serviços florestais, Fernando Mota, não acredita em estratégias defensivas de combate aos incêndios florestais. “O fogo pode ser um bom empregado, mas quando se torna patrão, é o que se vê”, atirou este último.

Mota chegou ao debate da passada quarta-feira à tarde, e no qual participaram ainda o arquitecto paisagista Henrique pereira dos Santos e João Pinho, vice-presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “preparado para uma plateia de 500 pessoas”. À sua frente estavam apenas alguns alunos, professores e técnicos dos serviços florestais, sinal de um despovoamento similar ao que afecta as universidades portuguesas que resistem a ministrar estes cursos.

Desmantelamento dos serviços florestais

O engenheiro florestal que gosta de ser tratado como um silvicultor trazia imensos papéis, prova dos planos que vão sendo feitos, mas tardam em ser postos em prática. E apontou o desmantelamento dos serviços florestais, e da experiência ali acumulada pelos seus recursos humanos, como uma das causas do descalabro a que a floresta portuguesa chegou.

“Tudo o que funcionava bem foi extinto”, queixou-se. Prova disso, contou, há uns anos um grupo português da GNR foi ao Chile fazer formação em combate aos fogos e lá ficou a saber que eles tinham “aprendido tudo com os serviços florestais portugueses, vinte anos antes”. Sinal de esperança, do lado de lá da fronteira, vêm bons exemplos que gostava de ver replicados.

O Governo de Espanha, assinalou, tem um plano de cem milhões de euros para voltar a colocar gente - jovens e desempregados, com projectos de negócio - nas áreas florestais. Mas esse plano, insistiu, inclui a instalação do posto de saúde e escolas nesses locais. “É preciso gente a viver no terreno, gente com conhecimento. Isto está escrito há 30 anos”, afirmou o engenheiro florestal.

Ao fazer a historiografia recente do desenvolvimento da floresta em Portugal, João Pinho, deixou claro este paradoxo que consiste no facto de o país ter atingido, no século XX, o pico de áreas florestais, numa fase em que a população começou a abandonar os territórios onde está está (im)plantada. “Passamos de uma paisagem controlada, para algo sem controlo”, afirmou, mostrando-se preocupado com os 70% do território em geração espontânea, onde não há qualquer tipo de gestão.

O vice-presidente do ICNF vincou ainda que 136 mil dos 500 mil hectares que arderam este ano já tinham sido duramente atingidos pelos grandes incêndios de 2003 a 2005. A natureza tem um tempo - e é preciso ver como regenera após os incêndios - e tendo em conta este aspecto, outro participante nesta discussão, Henrique Pereira dos Santos assumiu, no seu jeito sem papas na língua que, neste momento, se deveria “esquecer as áreas ardidas este ano e actuar no que ainda não ardeu.

“Temos pinhais de elevada densidade que ninguém gere e que vão arder no próximo ano ou no seguinte. No que ardeu este ano, temos dez anos em que podemos estar sossegados”. O arquitecto paisagista, como António Salgueiro, considera que o Estado intervém demais, e mal, na floresta, discordando, neste aspecto, de João Pinho ou Fernando Mota, defensores de uma maior intervenção pública que compense as falhas de mercado que tornam as actividades associadas à floresta pouco atractivas para os privados.

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